Você tem alguma certeza?
Sim. A primeira: não sou mestre de mim mesmo; não estou no controle. A segunda: posso morrer a qualquer momento. E minha última certeza: não falta nada no mundo.
Mas o fato de todos nós morrermos um dia depende de termos certeza? Faria alguma diferença?
No desfecho final, nenhuma diferença, óbvio. Mas faz diferença para mim mesmo. Ter certeza da minha mortalidade. Pois somente quem não ama é que deseja viver. Quem não ama se apega à vida.
Então você está me dizendo que aceitar a morte depende de ser capaz de amar?
Todo mundo pensa que, ao amar alguém ou algo, não vamos jamais querer morrer. Uma filha, por exemplo, te faz se apegar a vida, certo? Uma carreira reconhecida? Uma obra exuberante? Não faz sentido para a maioria das pessoas dizer o inverso. Porém, o amor causa um adensamento imprevisível da existência. Não dá para se apegar mais à existência, pelo menos não em seu sentido corriqueiro. Amar é, pois, morrer. Pelo menos uma parte de você morre. Por isso, pessoas que não amam têm a liberdade mental suficiente para investirem tempo e energia em simplesmente continuarem vivendo. A vida é fácil para elas. Podem ser grandes executivas, empreendedoras, e sobretudo políticas e burocratas.
Então você acha que não falta nada no mundo? Essa é tua outra certeza?
Não, não falta nada. Pelo menos quando consideramos tudo o que é espontâneo no mundo – e não as coisas humanas, necessariamente. Cada detalhe do mundo, não importa onde nem o que, é perfeito em sua própria natureza. Pois pense: todas as obras e manifestações mais sublimes do espírito humano já estavam contidos no mundo. Mas somos disciplinados a pensar na vida humana como falta. Há mesmo uma estética da falta atravessando muitas perspectivas, por exemplo a psicanálise. O ser é definido com relação ao que lhe falta, e pelo que ele se põe em movimento. Cada detalhe de coisas que estão diante da pessoa é comparado e julgado contra um padrão ideal, sempre gerando um hiato de sofrimento e alienação em relação ao presente. Esse tipo de postura criou uma versão diminuída do ser humano, e de quebra ainda ajuda a promover a economia.
Não considera que tudo isso que está dizendo, essas tuas ‘certezas’, possa estar simplesmente na tua cabeça?
Se você abrir e ler todos os livros do mundo, ou se conseguir conversar com todos os sábios ainda vivos, e ao cabo disso tudo vier para mim e disser que encontrou algo que contradiga o que estou te dizendo, ainda assim não mudarei minha opinião. E te digo o motivo: a realidade não é fixa. Ela é uma versão provisória do real. Pois o real propriamente dito será sempre inacessível para nós humanos, por mais que você me mostre meu cérebro iluminando em uma ressonância magnética. Você não vai extrair dali nada de mais real do que as palavras que estou usando para criar minhas certezas.
Você não estaria tomando a realidade pelas tuas palavras, palavras essas pelas quais você expressa essas tuas certezas?
As palavras, especialmente as bem articuladas, são âncoras provisórias em que nos agarramos para não ficarmos totalmente à deriva. Tome tudo de uma pessoa. Se ela ainda tiver uma ou outra palavra para costurar seu disforme caos interno, então ela estará relativamente protegida da escuridão, do fracasso, da perda de tudo e de todos. Palavras são como as folhas secas sobre as quais formigas atravessam um rio. O desafio, porém, é se você realmente acredita nelas. Se não acreditar de verdade nelas, então nem como folhas elas te servirão. Vão se tornar cascas vazias onde você vai se esconder como um covarde armado.