Feminilidade

Ultimamente, quando possível, tenho tentado assistir a filmografia do diretor sul-coreano Hong Sang-soo. Em algum lugar, vi que ele é chamado de o novo Ozu. Não sei se isso faz sentido, exceto que cheguei até ele por conta dessa associação, já que gosto muito do Ozu.

Até aqui, os filmes que assisti me causaram grande impacto, mas nenhum deles chegou perto de Virgin stripped naked by her bachelors (2000). Possivelmente, isso se deve à atuação da personagem central, em torno da qual a narrativa é estruturada – quer dizer, o filme ocorre da perspectiva da mulher. O mesmo ocorre em outros filmes igualmente brilhantes do diretor, em particular Nobody’s Daughter Haewon (2013), no qual a protagonista se envolve com um homem inseguro, incapaz de sustentar seu desejo.

Cena do filme Virgin stripped naked by her bachelors (2000)

Gostaria de deixar algumas impressões sobre Virgin Stripped. Como mencionei, a atuação de Lee Eun-ju, que interpreta Soo-jung, é excepcional. Foi só mais tarde que descobri que ela havia se suicidado aos 24 anos, e já se passaram exatos vinte anos desde sua morte. Isso me causou uma tristeza profunda.

De forma resumida, Soo-jung é uma roteirista para uma TV a cabo local. Ela é muito próxima de um produtor, e por meio dele, conhece um amigo rico, dono de uma galeria de arte. Esse amigo, Jae-hoon, se sente imediatamente atraído por ela. Atração essa que ele expressa de forma clara. No entanto, Soo-jung também nutre sentimentos por Young-soo, o produtor. Esse triângulo amoroso é contado através de um recurso frequentemente utilizado pelo diretor: a repetição de cenas, que oferece diferentes perspectivas sobre eventos semelhantes.

Soo-jung é uma mulher delicada, sensível e, em comparação aos homens à sua volta, mais madura. Além dos dois já mencionados, há também seu irmão e um amigo de longa data. Em sua essência, ela carrega uma feminilidade profunda, uma estética que pode ser interpretada de diferentes maneiras, dependendo do olhar do espectador. Um exemplo disso ocorre quando ela está na cama com Jae-hoon, que, sendo um mulherengo, a chama pelo nome de outra mulher. Naturalmente, Soo-jung fica abalada e se afasta. Jae-hoon, desesperado, sai à sua procura, e o vemos perdido nas ruas cinzas de uma cidade indiferente, tomado por um choque existencial. No entanto, na mesma cena, ela o reencontra e, de maneira surpreendente, pega sua mão. Nesse momento, parece que ele foi ressuscitado, resgatado de um abismo de alienação emocional, e foi a mulher que lhe ofereceu a chance de redenção, tirando-o da paisagem desolada e sem vida.

Os homens no filme, mesmo que não intencionalmente, acabam sendo agentes de violência contra ela, como no exemplo citado. Não se trata de violência física, mas da violência proveniente de homens perdidos em si mesmos. Eles crescem fisicamente, tornam-se fortes, conquistam status, mas nada disso os impede de serem, de certa forma, inseguros. A insegurança parece estar no coração do homem. Nos filmes de Hong, homens inseguros sempre se deparam com mulheres resolutas. Como é dito em outro de seus filmes, “a mulher é o futuro do homem” (Woman is the future of man). A feminilidade em Soo-jung, com sua serenidade, serve como bússola e guia em meio à névoa de uma masculinidade indecisa, taciturna e, muitas vezes, alcoolizada. Parece que os homens precisam de bebida para lidar com as complexidades sociais e afetivas.


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