Show de horrores

Já faz muito tempo que organizações não-governamentais denunciam a brutalidade com que os animais são tratados pelo ser humano. Um amigo meu, inclusive, costumava dizer que, se conseguíssemos mudar nossa forma de tratar os animais, conseguiríamos mudar até mesmo parte dos nossos relacionamentos com nossos membros de espécie (por exemplo, por que alguém chama outra pessoa de “aquele porco!”, ou “aquela vaca!” – sendo este último algo muito depreciativo).

Na quase infinita série de exemplos de brutalidade contra os animais, destaco a que vi hoje. Uma cadela, no RS, foi mutilada viva num ritual de magia negra.

Ok, como seres humanos, temos “mais com que nos preocuparmos” do que com isso. Veja-se os maus-tratos contra as mulheres, as crianças, os abandonados. Sim, com certeza temos muito a nos envergonhar nesse campo da moral. Porém, menos evidentes são os maus-tratos contra os animais, pois eles, como poderia nos dizer Heidegger, já passaram para o lado das “coisas”, sendo tratados como tais.

Acho que podemos ponderar sobre o caráter de uma pessoa dependendo de como ela trata os animais. Para mim, quanto mais brutal uma sociedade, mais brutais serão os tratamentos dispensados aos animais. Não tenho estatísticas, mas penso que a sociedade brasileira não é a das melhores nesta matéria.

Mas, dentre toda estupidez, esta de sacrificar animais é das piores. Parece que não tem fim a ignorância humana. Não tem fim essa falta de juízo ético, ou então essa tendência a “ser ético” (mentira…mas pelo menos as pessoas se enganam bem com isto!) apenas com o pequeno círculo de amigos e “camaradas” (óbvio: da mesma espécie!).

Obs.: a foto acima, Companheiros, faz parte da galeria ToucanArt.

Glenn Gould, solidão e isolamento

Hoje me veio à memória um filme a que assisti ano passado sobre o pianista canadense Glenn Gould. O nome do filme é “Trinta e duas curtas-metragens sobre Glenn Gould”. 

Glenn Gould, a certa altura de sua carreira, decide não mais apresentar-se em público. Este o incomodava; o piano das salas de apresentação o incomodava; os quartos de hotéis em que tinha de se hospedar durante suas apresentações ao redor do mundo o incomodavam; a filigrana de imperfeições envolvidas em uma performance para um grande número de pessoas o incomodava… Gould queixava-se de uma falta. Como diz ele: “carecia de uma espécie de transcendência mística para eu superar”. Então, resolveu isolar-se de todos, mantendo, com o mundo, apenas um contato (aliás, intenso) por meio do rádio e do telefone.

Algumas idéias de Gould me chamaram a atenção. Primeira, ele dizia que para cada uma hora que você passa com um ser humano, você precisa de X horas sozinho. Segunda, ele era fascinado pelo Pólo Norte e pelo tipo de vida que lá se podia ter, em completo isolamento. No filme, aliás, há uma bela cena de Gould desaparecendo (ou aparecendo) no branco da neve do nórtico. Impossível não sentir que o vazio é completamente “abundante”, “cheio”.

No Norte, Gould sentia haver uma virtude quase indescritível: a virtude da “extrema observação” – como tudo era muito distante, quando as pessoas se encontravam, elas provavelmente deviam prestar muita atenção umas nas outras. Engraçado, não? Hoje, vivemos em imensas cidades em que um amontoado de gente se esbarra em cada canto, cada qual falando sem parar umas com as outras, quase sempre fazendo vistas grossas aos detalhes e às sutilezas do que é dito (ou não dito).

Muito certamente essas idéias de Glenn Gould me vieram à mente hoje impulsionadas pelo sentimento secular (?) de pertencer a uma multidão solitária.

Acham que isso é “negação da potência de vida”?… uma frase bem nietzschiana, por assim dizer. Mas o próprio Nietzsche vivia a maior parte de sua vida como um nômade. Aliás, ele adora as alturas das montanhas (não é de uma que desce Zaratustra?). Recolher-se ao isolamento, a meu ver, não implica em negar a Vida (com “V” maiúsculo)…talvez signifique, sim, negar um tipo particular de vida… .

O Brasil e os outros

O Brasil cresceu, em 2010, algo em torno de 7%. Enquanto isso, olhe o crescimento de outras economias, grande parte das quais muito pouco comentadas por aqui ou mesmo alhures (até onde eu parcamente sei…).

Contradições do Natal

O ser humano é realmente uma espécie contraditória. Nestes dias de festas, é comum a maioria de nós abrandar o coração e ampliar a gentileza, especialmente ao desejarmos os melhores votos uns aos outros. E não há como negar que é realmente fascinante ser afetado por um momento coletivo e social como esse, carregado de representações as mais positivas.

Na vida cotidiana, porém, como funciona o “clima natalino”? Vou dar um pequeno exemplo. Fomos ao supermercado fazer compras. Isso foi ontem. Não é de se surpreender que, dada a festividade (com um claro componente gastronômico!), as pessoas tenham ido, “todas”, ao supermercado ao mesmo tempo.

Aí começa o show de horrores. Por exemplo, você vai pagar suas compras num caixa que parece menos “congestionado” e, de repente, aparece uma pessoa com dois carrinhos cheios. Alguém ficou “guardando fila” para ela. Outro exemplo: a pessoa que está passando suas compras, mesmo notando a balbúrdia ao redor, não tem a gentileza de ajudar a funcionária do caixa (já por demais atordoada de trabalho) a empacotar suas coisas. Mais um pequeno exemplo: pessoas deixando muita mercadoria nos carrinhos, especialmente mercadorias que não poderiam ficar fora da geladeira. Provavelmente, o olho foi mais “gordo” do que o olho que se surpreende com os $$$$ a pagar. Os exemplos poderiam ir longe…

Uma conclusão “gerencial” – esses pequenos atos de indelicadeza da vida cotidiana contribuem, somados ao despreparo e ao desânimo de funcionários (ou a seu cansaço e mal-estar), para que o simples ato de fazer compras na véspera de natal se torne algo da ordem do “desperdício”.

Uma conclusão “antropológica” – não é engraçado, contraditório, sermos tão “carinhosos” pelo embalo do “clima de natal” e, na prática (como no exemplo que dei das compras), sermos egoístas, mesquinhos, indelicados com o outro, “esfomeados” para corrermos para encher nossos carrinhos e comemorarmos, no mais cândido sentimento de solidariedade, com nossos “entes queridos”? Sei lá, para mim, o Natal parece estar se tornando algo só “da família” (dos iguais).

Feliz Natal meu amigo!


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