Psicólogo não é demógrafo

Considere o seguinte. Você tem uma série de informações demográficas sobre um indivíduo X. Digamos, você sabe onde ele mora, seu gênero, seu status socioeconômico. Se você considera essas informações em agregados populacionais, você pode, com alguma segurança, extrapolar “outcomes” sobre esse indivíduo X. Por exemplo, pode estimar que a probabilidade de ele ascender socialmente é de média para baixa. Você não precisa entrevistar essa pessoa ou conhecer sua história pessoal para realizar certas extrapolações.

Em certo senso comum psicólogo, o próprio psicólogo recorre a variáveis sociodemográficas para ajudar a explicar algum fenômeno psicológico de interesse. Na sua versão mais distorcida ou empobrecida, o psicólogo usa jargões como “O sistema faz esse indivíduo X ser excluído ou ter menos chances de sucesso”. O sistema, sempre o sistema.

Se você faz análises de amplos sistemas, como o “capitalismo”, e você assume premissas ou pressupostos sobre como esse “sistema funciona”, você não precisa se dar ao trabalho de tentar explicar a singularidade. Aliás, esta última chega a ser até mesmo vista com suspeita. OK, você pode dizer que estou entendendo errado. Que existe uma “dialética” entre “universal e particular”. Que o primeiro se expressa no segundo, e vice-versa. Claro que isso acontece – nenhum singular ocorre no abstrato.

Mas acho que existe uma fronteira aqui, cujo reconhecimento com certeza viria a calhar em algumas situações, quando psicólogos são, na prática, cópias distorcidas de demógrafos.

Há também o oposto, claro: psicólogos agindo como cópias de jornalistas. Fazem perguntas óbvias para as pessoas, perguntas cujas respostas esse psicólogo, ingênuo ou incompetente em domínios teóricos, já tem antecipadas. A pesquisa se transforma, assim, num simulacro. Para não mencionar as dificuldades metodológicas envolvidas, como viés de resposta da parte do entrevistado/participante. Vieses de resposta significam, basicamente, que o participante de sua pesquisa “veste a camisa de sujeito de pesquisa” e fala o que você quer ouvir ou o que ele acha que é o apropriado a dizer nesse contexto.

O autômato, usado por E. T. A. Hoffman (um autor citado por Freud) é uma excelente excursão sobre a idéia de ventrículo, de marionete, de um indivíduo puramente movido por signos culturais unidirecionais

Meu ponto, porém, é o seguinte. Cada pessoa é uma unidade singular (atenção: não sou “seguidor” de Leibniz; continue lendo). Um sistema aberto, em constante interação com seu meio e imersa no fluxo do tempo irreversível. E qual meio é esse? Gostaria de destacar um em específico: a cultura. Muitos (psicólogos) tratam a cultura como uma “variável”. Nada mais ingênuo do que isso. Pode servir, como no caso do demógrafo, para extrapolar alguns “outcomes”, mas a cultura não é “só” isso.

A cultura é o meio humano por excelência. Sua estrutura básica são signos. Por exemplo. Imagine um jovem tendo de escolher um curso superior. Ele vai ser “influenciado” pela materialidade de sua existência, por certo (se a família tem ou não dinheiro, por exemplo). Mas ele vai ser influenciado em um nível muito mais profundo: o próprio significado de um curso superior. Inicialmente, a pessoa é constituída de fora para dentro, por assim dizer. Há signos culturais que, de forma poderosa e quase invencível, promovem certas trajetórias em detrimento de outras. Há signos culturais que impedem ou dificultam certas trajetórias.

Porém, se essa pessoa quiser, de fato, emergir como singularidade, ela terá de revisitar os significados (signos) que a cultura lhe forneceu e que apareceram como caminhos a seguir. Revisitar significa que essa pessoa precisará produzir signos ela própria. Como diz o poeta, “Fazer algo com aquilo que fizeram de mim”. Apropriar-se de sua própria singularidade. Produzir signos é equivalente a produzir sentidos, tingindo afetivamente os significados (signos socialmente compartilhados). Aliás, não é à toa que Vygotsky, que estudou sentidos & significados, priorizou a ARTE como objeto fundamental de análise!

Uma pessoa jamais será uma imitadora perfeita de vozes, para usar uma expressão de Thomas Bernhard. Mas ela pode viver sua vida como uma sonâmbula ambulante, como na poderosa narrativa de Hermann Broch. O sonâmbulo vive dentro de um sonho. Esse sonho é, claro, o sonho narrado por signos culturais, que buscam instituir, ainda que de modo fluido e revisável, formas de vida consideradas legítimas. Se uma pessoa fosse uma perfeita imitadora de vozes, ela simplesmente seria previsível por meio de variáveis demográficas, como eu disse no início. Não precisaríamos de psicologia, oras.

E ela não é tal sonâmbulo justamente porque é capaz de produzir sentidos. Ao psicólogo, portanto, abre-se um campo de investigação enorme: como fazer a pessoa encontrar-se com ela mesma, na sua trajetória concreta de vida, atravessada que é, como um peixe num aquário, pela cultura (= a água). Aliás, David F. Wallace escreveu uma fantástica crônica sobre os peixinhos nadando inconscientes da água. Vale muito a leitura.

Volto a falar da importância de reconsiderarmos o conceito de singularidade, de pessoa, de ser de carne e osso cujas experiências jamais poderão ser terceirizadas, sob o risco de essa pessoa passar o resto de sua vida nadando em uma água da qual não consegue ter a mais remota ideia. A psicologia no nosso país passou por transformações fundamentais. Hoje é uma ciência muito comprometida com as condições materiais e sociais que “geram” ou “determinam” certos fenômenos psicológicos. Mas, como um rebanho, alguns estão indo ou já foram longe demais. Simplesmente, apagaram a individualidade, soterrando-a em jargões “sistêmicos” e discursos, na melhor das hipóteses, super entediantes e, na pior das hipóses, cínicos. Aliás, nesse sentido, lembrei-me agora de outra leitura fundamental: Crítica da razão cínica, do Peter Sloterdijk.

Faltando às aulas

Vem dos EUA a notícia de que os alunos, especialmente do ensino básico e médio, estão faltando massivamente às aulas. Um quarto dos estudantes são considerados como “cronicamente ausentes”. Em parte, isso é ainda reflexo da pandemia. Porém, especialistas apontam para algo aparentemente mais sério: o fato de a cultura estar flexibilizando a presença na escola, tornando-a opcional.

Ao longo dos meus quase vinte e cinco anos como docente posso dizer que o fenômeno tem piorado. O meu universo amostral é o ensino superior, e já tive experiência de passar por diversas instituições. Penso que seja praticamente impossível não associar isso com a ampliação do acesso à internet. Além disso, a pandemia tornou bem mais aceitável o modelo “à distância”. Porém, isso parece ter ido um pouco longe demais e o próprio sentido de estar fisicamente presente numa sala de aula começa a ser relativizado.

Uma vez um aluno me perguntou como eu, como professor, via a “competição” com vídeos no Youtube ou de influencers. Na ocasião, relativizei. Mas parece inegável que o lugar do professor como “centro” irradiador de conhecimentos está diminuindo no mundo real e migrando para outros formatos. Isso, na melhor das hipóteses. Na pior, não está migrando para lugar nenhum!

Educação na Idade Média. Alguma “semelhança”?

Um aluno assiste minha aula porque é basicamente obrigado. Ele não me escolhe. Há o conjunto de disciplinas, e cada professor é responsável por algumas delas. Não tem a ver com uma turma em particular. Na internet, em contrapartida, ele pode escolher quem e o que ouvir. Há uma liberdade bem maior de escolha.

Desse ponto de vista, seria apenas uma troca de seis (presença) por meia dúzia (on-line)? Em parte, sim. Mas a decentralização promovida pela virtualização de todas as relações, das afetivas, laborais até as educacionais, pode estar reforçando certas características geracionais nos jovens. Estes começam a ver o professor como parcialmente dispensável. Jovens-adultos até podem, de fato, ter mais autonomia e considerar que ouvir um professor em específico não compensa – que é muito mais prático e melhor assistir um vídeo sobre o mesmo assunto na internet. Mas e as crianças, elas têm esse discernimento?

Qual o valor de uma aula? Não é apenas o conteúdo. Quando um aluno assiste um vídeo, é só isso que ele recebe: conteúdo. Faltar seguidamente numa mesma aula, e depois fazer um “trabalho de reposição”, pode cair em duas categorias: da parte do aluno, ele está deixando claro que seu interesse é puramente transacional (passar); da parte do professor, de que suas aulas equivalem apenas ao conteúdo do que foi ministrado. Por isso, é muito importante considerar reprovações por motivos de ausência. Mas resolverá?

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Participar de uma aula presencial é estar junto com outros, criando um espaço de compartilhamento, de trocas de olhares, de leitura de implícitos, de ação-reação in loco.

Mais do que isso: uma aula é um evento singular, por vezes até mesmo um acontecimento, algo cuja passagem do tempo torna impossível replicar. E, como todo acontencimento, ele pode ser marcante. Pois nele podem surgir experiências singulares e, como tais, irrepetíveis – e, pela mesma razão, tão preciosas como a própria vida, que é o evento singular mais importante do Universo.

Muitas aulas presenciais são apenas eventos, okay; mas algumas serão acontecimentos. Você dificilmente conseguirá isso numa aula gravada, mesmo que você a repita centenas de milhares de vezes, num puro evento de massificação generalizada, na eterna repetição do mesmo, o tédio instituído como novo normal. A morte do acontecimento, da surpresa singular de cada materialização do tempo na presença. Estar presente (há um duplo sentido aqui!) é, hoje em dia, algo tão ou mais importante que a atenção.

Talvez aceitemos a lenta mas progressiva substituição da presencialidade pela virtualidade porque, no fundo, nós próprios não estamos mais tão conectados assim com o “mundo da vida” – afinal, boa parte de nossas relações afetivas e de amizade também se desmaterializaram. Com todas suas maravilhas, a internet e a virtualização estão nos desconectando de nossos corpos, criando “cidades invisíveis” nos cabos que passam pelo fundo do oceano, por ondas que vão e voltam de satélites no espaço vazio e frio bilhões de vezes ao longo de um mero dia. Igual ao que estamos nos tornando aqui, espaços vazios.

O corte que faz pensar

Ontem estávamos discutindo como o psicólogo pode atuar em instituições. Primeiro, parto do pressuposto de que o psicólogo é esperado contribuir para o “retorno ao normal”, seja isso numa escola, num hospital, numa empresa.

O psicólogo é um profissional da implementação da normalidade perdida. Porque toda instituição visa instituir um normal e garantir sua permanência.

Fonte da imagem aqui

Segundo, parto também do pressuposto de que há, intrinsicamente, uma tendência à lei do menor esforço em instituições. As soluções que dão mais trabalho são, em geral, preteridas. A força da gravidade dos hábitos economiza ações e pensamentos. Há, em certos contextos e níveis hierárquicos, uma tendência a simplesmente seguir o fluxo. Pensar diferente nem sempre é funcional. E nem sempre é necessário.

Terceiro, as instituições, em geral, não lidam bem com o fracasso, ou com tudo o que aponte para isso. Em vez disso, apegam-se a mitos e ideologias reforçadoras sobre sua função social, sobre “estamos fazendo o que é possível”, ou simplesmente mergulham no cinismo e outros mecanismos de defesa.

Por fim, as instituições vivem produzindo e reproduzindo discursos. Discursos refletem posições fixas, pressupostos implícitos, concepções pré-fabricadas, preconceitos, covardias variadas, presunções e fixação pela “tradição”. Discursos refletem a natureza de marionete e de ventríloquo de muitos agentes institucionais, pessoas comuns que, após um certo tempo e sob a influência do poder embutido nesses discursos, passam a reproduzir, sem perceber, algo que lhes é soprado como verdade.

O corte que faz pensar é, basicamente, uma interpretação. Sob medida e sob condições muito particulares, até mesmo “clínicas” (num sentido mais amplo do termo), o psicólogo impõe uma rachadura em aspectos nocivos dos discursos institucionais.

Mas, para fazer isso, para ser esse agente que propõe uma interpretação/corte, o psicólogo, ele próprio, precisa ter alguma independência relativa em relação aos mencionados discursos. Ele precisa se dissociar, minimamente, deles. E, mais do que isso, tal psicólogo tem de ter em mente, muito claramente, qual sua implicação, a que ou quem ele, genuinamente, serve.

Pois não se esqueça. A expectativa em relação a psicólogos é que eles tragam tudo e todos de volta à normalidade. Que contribuam para que os “imitadores de vozes” prosperem e saiam sempre ilesos.

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Pessoalmente, acredito firmemente que as instituições, embora fundamentais e incontornáveis, são o reino do rebanho, dos fracos amedrontados, ou dos espertos que usam tais instituições em benefício de suas agendas ocultas. Não são, em sua natureza, espaços para autonomia, criatividade e para a manifestação da verdadeira individualidade. As pessoas têm medo da verdadeira individualidade. Talvez eu tenha.

Fallen Angels

A música da esplêndida cena final do filme de Wong Kar-wai (1995).

Fim do mundo e propósito do trabalho

Assisti recentemente uma série animada, Carol and the end of the world (Netflix). Ela me foi indicada por um amigo que, como eu, estuda trabalho. O plot geral é o seguinte. O mundo está prestes a terminar. Um misterioso planeta gigante está em rota de colisão com a Terra, e acompanhamos a estória da protagonista, Carol, mais ou menos seis meses até a catástrofe.

A cada episódio vemos algo já bastante batido em produções apocalípticas desse tipo. Cada pessoa se entrega a realizar as fantasias mais malucas que você possa imaginar, e toda a estrutura societária de comportamentos prescritos é basicamente apagada. De fato, aqui também assistimos a um mundo sem fronteiras, limites, proibições, pre-conceitos, papéis esperados e assim por diante.

O cenário é de desolação: prédios abandonados, ruas vazias, um estado de quase-anarquia, só que sem baderna (o que é interessante). Uma terra pré-apocalíptica com uma surpreendente dose de convivialidade. Talvez a revolta, a desordem e a bagunça tenham ocorrido antes. Afinal, só temos acesso aos últimos seis meses. Não sabemos, pelo que me lembre, quando a realidade de que um planeta se chocaria com a Terra se tornou evidente.

Mas o áuge da série, e é por isso que a comento aqui, é o lugar que ela reserva para o trabalho. Imagine se soubéssemos que deixaríamos de existir dentro de seis meses. A última coisa que você consideraria seria trabalhar. E eis que, no meio do caos e da destruição, um prédio se destaca, imaculado, duas torres, incorporando a mais fina das engenharias de offices dos EUA.

Somos então apresentados a um escritório de contabilidade. Mais taylorista impossível. Mais impessoal impossível. Mais rotinizado impossível. Porém, é quando ela descobre esse último refúgio da corporate America que Carol se transforma. Ela parece encontrar novamente seu propósito de vida e seu sentido.

Os totens do ambiente corporativo, como uma máquina de fotocópia ou uma jarra de café, são elevados a um status de objeto de desejo para Carol. Todo o massacre da banalidade de um escritório contábil, com sua obsessão por relatórios fixados em casas decimais, é apresentado em reverso. O escritório é transformado num refúgio contra a falta completa de sentido diante de uma eminente extinção planetária. Diante de coisas grandes, como diria Nietzsche, o mais confortável é se fixar em coisas ínfimas.

Quando os gestores perguntam quem gostaria de continuar a trabalhar noite adentro fazendo hora extra, eles o fazem na forma de oferta, não de obrigação. Quer dizer, ficar de fora de fazer hora-extra era o que ninguém queria. Isso seria o desespero. Continuar trabalhando, como máquinas, era o que, paradoxalmente, fazia aquelas pessoas “humanas”. Entre aspas pois, na verdade, a robotização é criticada, e aos poucos vai sendo minada pelas iniciativas de Carol (por exemplo, ao lembrar do nome de cada funcionário). Mas aqui a robotização tem como base a incapacidade de reconhecer o fim do mundo, literalmente.

Porém, é preciso estar às vésperas do fim do mundo para se esquecer das questões fundamentais e mergulhar no trabalho, usando-o como um álibi, como um substituto, como algo que as pessoas fazem, mesmo não precisando (como na série), no lugar de fazer o que realmente importa? Pessoas que usam o trabalho como álibi são como Sísifo, quando este se preocupa com a tarefa de subir e descer a pedra, e não com o sentido mais amplo de sua própria condição: alguém castigado a esse trabalho repetitivo pela eternidade afora.

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Dois colegas e eu estamos trabalhando numa ideia que pode explicar a questão acima. Trata-se de pensar no propósito do trabalho em dois planos possíveis. No primeiro, temos o propósito NO trabalho. Aqui, o trabalho é apenas uma dentre as várias esferas de vida de uma pessoa. Ter propósito nessa esfera em particular é importante ou mesmo fundamental. Afinal, passa-se muito tempo de vida nela. No segundo plano, temos o propósito DO trabalho. Aqui, trata-se de uma dimensão mais geral, envolvendo não um trabalho em particular (um emprego, uma ocupação, uma atividade), mas o propósito de ter de trabalhar no fim das contas.

No caso da série, o que vemos é uma ênfase no absurdo que é tomar o propósito DO trabalho de modo puramente automático. O trabalho é um álibi porque ele, em sua globalidade, apaga qualquer outra esfera de vida da pessoa. No caso da série, essas outras esferas são obviamente reelaboradas, pois diante da morte (sua, mas também do planeta inteiro), quais são as prioridades? Qual esfera de vida deveria tomar a dianteira? Realizar aqueles “projetos” que nunca foram realizados porque nunca havia tempo, já que só se trabalhava? Ou simplesmente mergulhar no niilismo, do tipo: Já que o mundo vai acabar, ‘que se dane tudo’?

Obviamente, o fim do mundo é só uma metáfora. Pois, no plano pessoal, por mais improvável que possa parecer no momento, nossa vida pode acabar a qualquer instante. Num piscar de olhos. A morte não é um “evento” solene, algo que só acontece após uma longa preparação, tipo uma festa de casamento ou uma formatura. A morte é banal, assustadoramente banal. Então, ela pode acontecer sem a menor pompa. Dessa perspectiva, é como se todos nós estivéssemos esperando pelo “fim do mundo”. É que não pensamos nisso. Claro, isso é até importante para nossa saúde mental.

O propósito DO trabalho é uma dimensão fundamental do significado do trabalho. Se as pessoas parassem realmente para pensar sobre ele, em vez de só se preocuparem com o propósito NO trabalho (“Ah, hoje tenho que terminar aquele relatório”, “Meu chefe me reconheceu hoje”, etc.), poderíamos ter uma mudança societária ampla. Na verdade, eu até acho que as pessoas pensam nele, só não de modo totalmente consciente. Uma forma de indicar que elas intuitivamente pensam (ou sentem) é o número cada vez maior de sofrimento, adoecimento, suicídio, apatia, desmotivação e depressão no trabalho. No fundo, tudo isso é sintoma, a mania de coisas não resolvidas de verdade voltarem a assombrar as pessoas.

Realismo não-humano

Gosto de divagar. Acho que você já deve ter percebido isso a esta altura. Pois bem. Enquanto estava correndo estes dias, um pensamento ficou passando pela minha mente o tempo todo. Na verdade, dois pensamentos. São duas frases que li em algum lugar e que, por alguma razão, acho que têm relação uma com a outra.

A primeira é a seguinte. Se uma árvore cai na floresta, mas não tem ninguém (nenhum humano) para ouvi-la caindo, pode-se falar em som?

A segunda é esta. “Deus”, essa palavra e tudo que vem junto dela, existiria sem nossa presença (humana)? Ou foi apenas com o aparecimento de humanos que Deus começou a ser considerado? Esta última eu lembro a fonte: o escritor Jon Fosse. Não é uma citação literal, mas a ideia é mais ou menos essa mesmo.

Em ambos os casos, há um problema realista. Sobre o quanto a realidade (um som, Deus) é congênere com a espécie humana. Um ruído de uma árvore caindo – sem um humano por perto, o que ele seria? Digo, não a ausência de um humano em particular por perto, mas a espécie humana inteira. Se só houvesse chipanzés ao redor da árvore caindo, estes, no máximo, só procurariam não ficar embaixo dela. Obviamente, talvez não haveria associações de um ruído a um som e a uma constelação de possibilidades para esse som (eg.: por que a árvore está caindo? Qual o tipo de árvore, a julgar pelo som?). Nestas horas, lembro da minha cachorra. Quando ela está dormindo, e crianças fazem barulho na rua, é como se ela nem notasse. Como se lhe fosse totalmente indiferente. Claro, há alguns sons que são gatilhos para ela. Mas eu fico admirado com a suavidade do sono dela diante de sons que, para mim, seriam absurdamente revoltantes (tenho insônia, e parte tem a ver com a personalização extrema de ruídos).

Sobre Deus, bom, até onde sei, antes da espécie homo, não há nenhum monumento construído, nenhum livro sagrado escrito, nenhum ritual coletivo, muito menos guerra e morte por causa Dele. Animais nasciam, cresciam e morriam, e tudo ficava por isso mesmo. Aliás, por cinco vezes a vida foi praticamente riscada do mapa, de plantas a animais gigantes como dinossauros. A Terra, durante essas extinções em massa, já foi acertada por meteoros, sangrada de dentro por lava, chocada contra sua própria pele por conta de placas tectônicas em deslocamento na superfície, chuva de ácido e todo tipo de desgraça. Diante dessas catástrofes, nossos furacões e tempestades não chegam a ser nem um resfriado para um planeta com bilhões de anos e, portanto, uma longa ficha médica. Não creio que nenhum desses animais, no nível que fosse de suas capacidades sensitivas, tivessem cogitado que tudo aquilo que lhes acontecia era por causa dos “castigos” de um Deus irritado com a fraqueza espiritual desses seres. Eles simplesmente se foram para sempre. E se foram na ignorância, pois viviam no realismo da “coisa em si” (seus corpos, a Terra).

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Com o “giro subjetivo” na filosofia, da antiga para a moderna, o sujeito (humano) passou a ser a fiação do conhecimento. A subjetividade é uma espécie de base epistemológica fundante, por meio da qual a natureza é filtrada. A justificação do conhecimento passa pelo sujeito. Quando digo ‘sujeito’ não penso em uma pessoa de carne e osso. Mas em um tipo de plano. Como disse uma vez o filósofo Richard Rorty, é óbvio que havia ovos de dinossauros antes dos humanos (algo assim, me perdoe a paráfrase). E, obviamente, tais ovos não tinham relação causal nenhuma com humanos, até porque nem existíamos. Porém, tais ovos, hoje com nós humanos por aqui, “são” isso: ovos. E sabemos, a partir de vários vestígios deixados por aí, os tipos de ovos que existiam, a relação desses ovos com o tipo de animal, e assim por diante. Quer dizer, eles continuam a ser as mesmas “coisas” que existiam antes de estarmos (humanos) por aqui. Mas eles, paralela e incomensuravelmente, são partes de narrativas que nós humanos construímos e que integramos em sistemas de crenças, relações, significações.

Quer dizer, ao mesmo tempo, “ovos” são ovos (com o sujeito na jogada) E são “coisas em si” independentes de humanos. A finalidade de denominá-los de “ovos” (deve haver alguma raíz latina ou grega por detrás) é baseada em seu propósito: classificá-los, estudá-los e, no final, manipulá-los tendo em vista objetivos humanos. Ao passar pela “subjetividade”, os ovos são subjetivados para dentro (para a cultura e usos humanos; eg.: ovos de páscoa), e objetivados para fora (para a produção de frangos, por exemplo – isto é, para uma mudança concreta na coisa em si).

Portanto, tanto o som como Deus, de acordo com esse raciocínio, poderiam ser ambas as coisas. Primeiro, coisas-em-si; segundo, objetos, no sentido de se oporem (em relação dialética, em que um depende do outro) ao sujeito (sujeito<>objeto). No caso de Deus, porém, você já deve imaginar a complicação, pois, para começar, não o vemos (não há imanência). A menos que se considere Deus como “tudo o que há” – uma espécie de “transubjetividade” sobre a qual assenta a própria condição do Universo. Quer dizer, em escala infinita, a mesma função desempenhada pela subjetividade na construção do conhecimento humano.

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É sabido que Kierkegaard desenvolveu sua filosofia ao redor de uma explicação racional para a questão divina. Por mim, termino com uma ideia simples dele: a de salto. Pois pode ser disto mesmo que se trate: de um salto do realismo humano para um “realismo não-humano”. O momento em que mergulhamos e nos dissolvemos na coisa-em-si de nossa máteria, nos igualando finalmente a ela, talvez com um pouco mais de conforto do que tem ocorrido há bilhões de anos com outros seres vivos.

Paradoxos da internet

Há não muito tempo atrás, se você estivesse na fila do banco, ou esperando por um atendimento médico, você não tinha muita opção que não aceitar o tédio da espera. Não havia opção de mergulhar no celular e desaparecer em algum reino virtual totalmente desconectado com a sua experiência real e presente: estar entediado enquanto espera. Nessas circunstâncias, e em muitas outras, o celular é um poderoso instrumento de fuga. Pense num adolescente se reunindo com seus colegas. É muito comum cada um mergulhar no celular enquanto estão junto de outros. Por quê? Porque é o jeito como adolescentes modernos estão “lidando” com a ansiedade de estar em grupo.

Isso não deveria ser surpresa, afinal, a internet como um todo tem se transformado no avesso do que psicólogos da abordagem cognitivo-comportamental denominam de “exposição” – se você tem ansiedade em relação, digamos, a dirigir, sua tendência natural é evitar dirigir. Porém, a única forma de superar essa ansiedade ou medo é…dirigindo. Assim, a exposição gradual, assistida por um terapeuta, isto é, de algum modo protegida, vai, progressivamente, expondo a pessoa a essa situação real e, com o tempo, seu medo de dirigir diminui.

Considere agora algo menos concreto como dirigir. Suponhamos que seu filho ou filha tenha ansiedade em relação a estar no meio de outras pessoas. Em vez de se expor à situação real de estar com outras pessoas, por exemplo na escola, seu filho tem à sua disposição o mar de possibilidades irreais da internet: jogar online, conversar com dezenas ou mesmo centenas de “amigos virtuais”, etc. É claro que ninguém vai sugerir que a solução é ficar longe da internet. Porém, não há como negar o paradoxo: ao mesmo tempo em que ela nos permite infinitas possibilidades (no virtual), ela acaba reduzindo as possibilidades de ações no mundo concreto.

Assim, outro paradoxo da internet tem a ver com nosso grau de liberdade. Um adolescente hoje em dia tem muito mais liberdade virtual que física. É muito mais provável que os pais de um adolescente o permita “perambular” pela internet em vez de dar uma volta no quarteirão – no Brasil, de fato, em algumas localidades é extremamente perigoso andar na rua. Mas a obsessão com segurança fez com que nos voltássemos sem muito critérios para a internet, em que pese a crescente preocupação com segurança digital e restrição de conteúdos para o público jovem.

Por fim, não menos grave é o estímulo que a internet coloca sobre a ruminação. Como muitos sabem, mensagens negativas atraem muito mais a atenção das pessoas. E a internet, repleta de semi-celebridades dispostas a praticamente tudo para ter uma audiência e faturar, mais uma vez expõe seus exageros. Por exemplo, considere a tendência recente de pessoas exporem seus traumas de infância em redes sociais. De um lado, isso serve para a pessoa “colocar para fora” essas situações, que no passado eram proibidas de vir à luz, serivindo para perpetuar o sofrimento e a discriminação. De outro lado, o paradoxo: quanto mais essas pessoas falam desses traumas, mais a linguagem “psicológica” se perpetua, quando só o que se fala é de ansiedade, depressão, violência psicológica, assédio e assim por diante. Quer dizer, a internet permite uma constante ruminação – e a psicologia já nos mostrou os riscos disso, quando a pessoa só fica pensando no seu próprio problema ou situação, e se torna incapaz de romper a circularidade. Ela se prende em um looping que só intensifica seu sofrimento.

O tédio é super importante, especialmente para um adolescente. É uma experiência de se sentir vazio. Porém, em vez de deixar o tédio “falar” e aprender com ele, nos impulsionando a experimentar, a fazer coisas diferentes, a preencher o vazio, nós o postergamos, mergulhando na internet, surfando de texto e imagem a texto e imagem, sem conexão com o mundo real e, sobretudo, com seu próprio mundo afetivo.

O compartilhamento de experiências é importante. Saber que você não está sozinho, que seu sofrimento não é só seu, ajuda na superação do problema, criando redes de solidariedade e apoio. Mas quando todo mundo amplifica seus problemas, tornando-os tão banais como em um post ou vídeo de alguns segundos em redes sociais, quando a linguagem é tão tóxica e poluente que você não enxerga mais nada além dela, então não podemos desconsiderar que a suposta solução para o problema está contribuindo, via ruminação, para sua própria existência. Não à toa os adolescentes estejam hoje vivendo uma crise de ansiedade generalizada, que vai de par em par com a popularização da linguagem psicológica em todos os recantos da internet.

É preciso haver barreiras. A ruminação da internet torna difícil a criação de barreiras. É preciso riscar uma linha no chão a fim de estabelecer os limites do falar por falar. Se pensarmos novamente nos insights da perspectiva cognitivo-comportamental, a internet está hiperinflando crenças e pensamentos, culminando em potenciais profecias auto-realizadoras. Pesquisadores têm chamado isso de “inflação de prevalência” – quanto mais consciência as pessoas têm, via narrativas plenamente disponíveis, mais elas passam a se definir e a ver o mundo da perspectiva de sintomas e diagnósticos.

O tamanho

Considerando todas os planetas e estrelas, a parte observável do universo, e toda a dark energy, tudo o que não é visível no universo, a quantidade estimada total de energia que ele contém é equivalente a:

[67 000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000 toneladas de TNT; ou 67 trilhões trilhões trilhões trilhões e trilhões de toneladas]

Esta seria também a medida de quanto o universo pesa.

Enquanto isso…

Estamos preocupados com quanto nós pesamos. Com o quanto temos no banco. Com o número de sapatos que temos. Com o quanto nossa vida, de um modo geral, vez ou outra, ou sempre, parece excessivamente pesada, difícil de carregar.

Proibido fumar

Creio que tenha sido Paulo Maluf, quando era prefeito da cidade de São Paulo, quem tenha decretado uma lei proibindo as pessoas de fumar em locais fechados. A revolta foi tanta que até uma música surgiu tratando disso. Na época, eu estava provavelmente entrando na adolescência. Desse período e fato, hoje me lembro só de uma estranha sensação. A coisa não fazia muito sentido para mim, à época. Não porque tivesse alguma opinião sobre os malefícios do cigarro ou sobre “fumantes passivos”. Nada disso. Só achei o assunto coisa de gente esquisita. Bom, vai ver é exatamente isso que crianças e jovens adolescentes achem hoje em dia de toda essa conversa de políticos ou profissionais da atuando em saúde pública.

Pulando para os dias atuais, acho que temos uma nova epidemia. Mas não de cigarro. Antes, você andava pela rua e era fácil ver pessoas fumando. Muitas delas, dependendo de seu local. Até comerciais de cigarro havia na TV aberta. O cigarro era associado com liberdade de escolha, status, ousadia, especialmente por parte das mulheres.

Nossa epidemia atual, que tem o diferencial de incluir até mesmo crianças, é a do celular, do smartphone. Basta você sair de casa. Pode pensar no lugar que for. Ali haverá quase 100% de pessoas mergulhadas em seus aparelhos. Estes dias, vi uma pessoa na garupa de uma moto segurando seu celular e, sei lá, falando com alguém no aplicativo de comunicação, ou ajudando o motorista a se localizar (olhando no mapa apresentado pelo celular). Se você for na praia, lá estarão eles. No supermercado, idem. Durante uma reunião, claro. Na sala de aula, infelizmente. No médico, então, aí é certeza quase absoluta de encontrar pessoas atarracadas com seus aparelhos.

E sabe o que é interessante? Bom, da mesma forma que no final dos anos 1980 e início dos 1990 ninguém achava estranho outros fumando…dentro de um avião!, ou em um restaurante fechado… hoje também a maioria parece não notar ou então se importar com essa nova epidemia. Inclusive, até mesmo riscos para a saúde o celular pode provocar – por certo, e falo isso por experiência, para os olhos. Para não mencionar o impacto sobre a atenção.

A situação é tão bizarra que, vez ou outra, leio matérias de jornalistas que fizeram algo absolutamente impensável, oh!, ficar uma semana sem celular/internet. Hoje mesmo ouvi uma matéria dessas. O casal resolveu chamar até a operadora de internet para vir desconectar o modem. E então a criatura passa a descrever o que seria a reinvenção da roda: como fazer compras, como chamar o médico, como encontrar um endereço, etc.

Existe, ou existia, um campo de estudos sobre cognição expandida. Segundo alguns dos insights de que me lembro dessa perspectiva, nós tendemos a externalizar partes que antes eram de nosso próprio cérebro/mente para máquinas ou objetos externos. Há nisso, é claro, o potencial de uma simbiose proveitosa para o humano. Por exemplo, contar é muito mais fácil com um pedaço de papel, ou mesmo com os dedos, do que apenas com cálculos mentais (pelo menos, para a maioria da população). O papel, a caneta, o lapis, são externalizações que nos permitem conduzir nossas operações matemáticas. O cérebro em perfeita harmonia com o resto do corpo, e com a concretude ao redor.

Similarmente, no início, éramos forçados a manter uma agenda de telefones. Um caderninho, o que fosse. Os primeiros celulares, mesmo sem grande memória como as dos aparelhos de hoje, já nos havia permitido dar um primeiro salto do caderninho para o chip. Mas a evolução desses aparelhos foi tamanha que hoje eles representam o que certamente um computador da NASA representava no passado, ocupando às vezes prédios inteiros. O ponto que gostaria de fazer não é o da nova estética que está sendo criada pelo smartphone, como quando estamos falando com alguém e esse alguém está, em vez de prestando atenção em nós, falando com outro ser humano quilômetros longe. Não. Falo dessa etapa, ainda desconhecida em termos de suas consequências, em que externalizamos praticamente toda nossa vida mental, inclusive nossa sociabilidade, para um aparelho – que, supostamente, nos coloca em contato com outros seres humanos.

É como se estivéssemos numa imensa nuvem de fumaça, mas desta vez não literal, como estavam as pessoas na época em que fumar em público e espaço fechados era cool. E, repito, agora usando uma expressão de George Carlin: nobody seems to notice; nobody seems to care.

Mais do que 100% de identificação

Amei o vídeo abaixo. E não falo “amei” no sentido coloquial que às vezes as pessoas usam essa expressão, no fundo querendo dizer nada. Eu realmente amei, de paixão, o vídeo (o texto, na verdade). Até hoje, nessas explorações aleatórias que faço pela internet, não havia achado uma peça que representasse exatamente o que estou vivendo já faz algum tempo. Lembro de que, em outra crise profunda que tive, “descobri” Schopenhauer e Nietzsche. Eles me ajudaram a atravessar uma dor profunda, dando-lhe algum sentido. Agora, estou em uma nova situação de dor profunda (e sem encontrar sentido), a mais longa que já tive, um inverno longo, longo, mais longo de que tenho lembrança. O tipo de inverno que deixa tudo branco, indistinto, indiferente, gerando, como está no vídeo, calos que me impedem de sentir, ao toque, o mundo e suas texturas. E a maior agonia é que, até aqui, não havia encontrado alguém para dialogar – uma pessoa, ou um autor morto (ou vivo, não importa). O vídeo, e seu texto, não chegam a ser o interlocutor definitivo, mas é o mais próximo com certeza. Engraçado que eu, sempre aos fins de ano (quando, normalmente, estou de férias), acabo citando produções desse canal. Mas este, poxa vida. Gostaria de traduzi-lo e ampliar seu alcance, mas acho que pode haver restrições de direitos autorais. O vídeo, porém, tem legenda em inglês, o que ajuda a disseminá-lo. Mesmo assim, cito alguns trechos a seguir, em tradução livre. É uma peça de arte, sensibilidade, precisão e amor.

Quando você era criança, você era cheio de entusiasmo e sensibilidade. O mundo é pequeno, e seus olhos são grandes. Mas quando você vai envelhecendo, tudo se torna maior, e você praticamente fica do mesmo tamanho – no máximo ganha uns centímetros. O caos, a complexidade, e a impossível obscuridade do mundo te cercam e te tomam à medida em que seu senso de significância e segurança diminuem até virarem um minúsculo ponto. Você segue adiante, segue o fluxo. Você faz coisas, realiza coisas, você obtém coisas. Mas nada nunca mais resolve a questão – aquela inquietação profunda, agitação e desolação. Você se acha sempre no mesmo lugar, independentemente do quão forte você tente ou longe você vá. Pessoas queridas morrem, corações se quebram, coisas horríveis acontecem – você percebe cada vez mais as coisas horríveis que poderiam e vão acontecer. Tudo se torna um pano de fundo esfumaçado para os implacáveis problemas do dia-a-dia.

Finalmente, você aprende a como lidar com tudo isso. Você se torna anestesiado. Indiferente. Você faz de tudo para que nada realmente te afete. Não é uma decisão consciente. Você nem se lembra de tê-la tomado. A vida dói ao toque, e então, obviamente, você para de segurar nela com tanta força. Agora, quase nada te afeta muito, mas você também não sente muito mais as coisas. Não é exatamente apatia – pelo menos não no sentido tradicional dessa expressão. Não é exatamente depressão. É alguma outra coisa; alguma coisa entre ou externa a esses termos. Não é um sentimento de que você está em um tipo de areia-movediça, mas muito mais o sentimento de que as coisas estão “okay”, enquanto você está sentado sobre a areia de uma linda praia.

[…]

No fim, a vida move em estações. Não é sempre que estamos energizados ou animados ou principamente sintonizados com o bem. Não conseguimos ser sempre afáveis e receptivos. Nem sempre conseguimos ser brilhantes e transbordar vida. Mas, assim como o solo coberto com neve em uma paisagem invernal contém a habilidade de produzir vida quando a estação muda, assim também você tem a habilidade de fazer germinar uma nova vida quando o momento chegar. Você ainda tem seu mundo interno, suas faculdades, sua perspectiva, sua criatividade, e sua habilidade de adaptar e resistir. Se você não esteve sempre aqui [nessa situação], você provavelmente não estará sempre nela. E mesmo se você estivesse, você ainda conseguiria se adaptar, e você vai ficar okay. Seja em estações de luta, ou em uma experiência de uma vida inteira sentindo a frieza do universo, por meio de sua perspectiva e escolhas individuais, você ainda será capaz de te propiciar conforto, significado, o calor da fortitude invencível. Talvez tudo que tenhamos seja isso – o verão invencível dentro de nós -, mas talvez isso seja tudo de que necessitamos.

Nota. Vale o destaque: “No meio do inverno eu, finalmente, descobri que há em mim um verão invencível” (Camus).


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