O homem
dezembro 28, 2012
junho 23, 2012
Ontem assisti novamente a Dogville, do Lars von Trier. Acho que é a terceira vez que assisto. Ao contrário das outras vezes, porém, não havia percebido a sagacidade do final, justamente a parte dos créditos. Eis que a achei na net. Infelizmente, não dá para reproduzir aqui porque o Youtube não permite, mas você pode assistir diretamente no endereço original. A música é de David Bowie – e esta sim reproduzo abaixo (caso queira só ouvi-la sem a cena dos créditos de Dogville, embora se perda bastante o efeito pretendido). Tente imaginar, se você já assistiu a este filme, o porquê deste final…
fevereiro 25, 2012
Confesso que não dei bola quando o último filme de Woody Allen foi lançado no ano passado. E a coisa passou para mim. Ontem, depois de ler uma coluna de Matheus Pichonelli na Carta Capital, fiquei tentado a assistir o filme. E o fiz hoje.
Para mim, o filme foi pior do que avaliou Pichonelli, e melhor do que o fez ontem André Forastieri, em coluna também dedicada ao filme. Não acho que o filme tenha sugerido (e voilà minha catarse…), simplesmente, que o presente é pior que o passado, e que nossa atual geração é vazia, obcecada por assuntos miúdos, seduzida por intelectuais arrogantes e esnobes, tratando o passado pelas mercadorias que ele nos deixou no presente (a própria Paris, por exemplo?!).
Ele fez algo muito pior, sugerindo que não há como escapar – que, uma vez no presente, vamos sempre achar que uma época anterior foi melhor, e logo vamos querer voltar para ela (ou, no caso de personagens do filme, de “ir” para ela). A vida é simplesmente um saco, e vai ser um saco no presente ou no passado, pois, uma vez chegando neste, ele vira presente e… vira um saco!
No entanto, presente e passado convivem juntos. Negociamos entre ambos, por assim dizer. Além disso, o passado idealizado deve ter lá a ver com nossos sonhos infantis. Quando crianças, sempre achamos os adultos mais “poderosos” que nós; até chegamos a achar (eu, pelo menos, o fiz!) que eles têm vidas misteriosas, enigmáticas… interessantes. Não me recordo, como criança, de achar que a vida dos adultos era um saco. Passamos a ver assim quando vamos ficando mais velhos. Quando adolescentes, achamos a vida de nossos pais um grande saco: os criticamos por falta de “amor verdadeiro”, por falta de “risco”, por serem ultrapassados (muitos pais ainda não sabem usar iPads e coisas do gênero…). Mas, paradoxalmente, quando adultos, achamos que nossa vida na infância era mais feliz.
Penso que, coletivamente, é a isso que muitas vezes nos entregamos: à idealização de um passado coletivo, grupal, no filme representado pela belle-époche, ou então pela boêmia dos anos 1920, na Paris borbulhante, viva, pulsante. A Paris de hoje é, sob certo ângulo, uma vitrine a céu aberto, dependendo (não desprezadamente, suponho) do turismo para sobreviver. Mas essa mesma Paris poderia ser uma espécie de Atlântida do “pequeno” grupo de humanistas ainda existentes no mundo (espécie em extinção?).
Mas concordo com Forastieri: chiclês demais! W. Allen diz que sempre toma como certo um público inteligente, mas não foi assim que me senti ao assistir o filme. Talvez isso tenha sido “proposital”, considerando que o filme é um sucesso de bilheteria e, desculpem-me, mas é quase óbvio que quem assistiu não foram apenas os “intelectuais” da época. Com isso, pode-se ter gerado certo “tapa na cara” de quem assiste ao filme. Neste ponto acho que Pichonelli acerta.
O filme é desconfortante, abunda na petulância e arrogância, mas, paradoxalmente, talvez esteja aí sua razão de ser.
janeiro 9, 2012
Como prometi, aqui segue um post um pouco mais demorado sobre o filme do diretor húngaro Bela Tárr, vencedor do Festival de Berlim do ano passado. Aviso que este post tem um conteúdo “spoiler”.
Apesar de o filme ser sobre o suposto cavalo defendido por Nietzsche, não há qualquer outra referência ao filósofo, exceto na própria idéia do filme. Há, por exemplo, um trecho em que um personagem desenvolve um monólogo no qual discute que, tanto os homens, como Deus (que, supostamente, “supervisiona” estes últimos), são responsáveis pela destruição “de tudo aquilo em que colocam suas mãos”. Provavelmente, uma referência à própria destruição do planeta.
E o planeta se manifesta o tempo todo. Particularmente, a natureza. Venta durante todo o desenrolar dos 6 dias em que acompanhamos a rotina férrea de pai e filha. Há grande angústia na tela, reforçada pelos planos-sequências, pelo uso do PeB, pela expressão dos rostos dos personagens, e, principalmente (para mim), pelo vento e pela desolação que, aos poucos, vai se abatendo sobre a pequena família. E o centro de tal desolação é precisamente o cavalo – que se recusa a comer e, desde então, desbanca a rotina diária pela sobrevivência dos dois. Achei fantásticas as tomadas em que vemos o cavalo e sua quase-humana “resistência tenra” a continuar a viver.
Bela Tárr diz que se trata de um filme sobre o “peso da vida”, a rotina de dormir, levantar-se, vestir-se, comer (no caso, toda a refeição se resumia a uma batata para cada um por dia), buscar água no poço, lavar roupa, utensílios, tirar e voltar a guardar a carroça, limpar a estalagem do cavalo e alimentar este último (ou, pelo menos, tentar alimentá-lo). É a rotina que vemos o tempo todo, afirmando-se. Não há praticamente diálogo durante o filme, mas as cenas são de uma densidade que fazem as palavras serem quase supérfluas.
O cavalo para de comer; logo depois, ou quase ao mesmo tempo, acaba-se a água do poço. A pequena família tenta fugir, mudar-se, levando consigo o cavalo. Mas acabam voltando. Não há para onde fugir? Ou, como li em algumas críticas ao filme, trata-se de falta de vontade, uma resignação dos personagens à inércia insuportável da vida? Se for falta de coragem, fato é que em nenhum momento há qualquer sinal de revolta dos personagens: a filha faz o que tem de ser feito sem qualquer reclamação ou queixa; o pai, idem. Há uma espécie de “força cega” os levando a fazer o que fazem, inclusive quando simplesmente esperam. Esperam diante da janela, esperam ao acordar, esperam após a breve refeição, o dia passa e, mesmo assim, parecem sempre à espera. Mas de que? De uma melhora? Do fim do redemoínho de vento que faz tudo ficar de pernas para o ar, em rodopios infernais? De que a água volte ao poço? De que o cavalo volte a levar a carroça e ajudar no sustento da família? A agonia vem de que sabemos que, provavelmente, nada virá.
Para mim, o melhor filme que já assisti nos últimos anos. Muito, mas muito melhor do que o último de Lars von Trier (que também, a seu modo, fala do fim, da falta de esperança e da passividade da espera); melhor do que Árvore da vida, que, como disse aqui em outro post, nos maravilha e humilha com a magnificiência do universo. Estou a tal ponto impactado pelo filme de Tárr (segundo o que ele declarou à imprensa, seu último filme), que me parece que escrever sobre ele é como “violá-lo”.
janeiro 4, 2012
Acaba de sair, no grande circuito cinematográfico, O cavalo de Turim (Festival de Berlim, 2011), de Béla Tarr, o qual faz alusão ao episódio em que Nietzsche se joga no pescoço de um cavalo que estava sendo açoiato por seu proprietário. Para se ter uma idéia do conteúdo do filme, coloco abaixo a cena de abertura. Voltarei em breve com um post mais demorado sobre o filme.
dezembro 10, 2011
El Empleo / The Employment from opusBou on Vimeo.
O curta-animação argentino acima, que recebeu nada menos que 102 prêmios internacionais (inclusive no Brasil), foi idealizado por Patricio Plaza e dirigido por Santiago ‘Bou’ Grasso. Muito interessante, nos faz pensar na relação que estabelecemos com as outras pessoas quando, no trabalho, estas se tornam objetos.
O filósofo Yves Schewartz observa que o trabalho é uma forma de “uso de si”, por si mesmo em primeira instância, mas também (ou sobretudo) pelos outros. Estes nos utilizam quando trabalhamos: utilizam nosso corpo (no curta, as pessoas são usadas em diversas formas, inclusive como tapetes!), nossa criatividade, nosso esforço, em suma, nossa subjetividade.
Esse curta me fez lembrar de uma vez quando tive uma espécie de “insight”: dei-me conta de que tudo em meu apartamento poderia ser reconvertido em horas de trabalho de seres humanos que se dedicaram a produzir a mesa, as cadeiras, o sofá onde me sento, enfim, praticamente tudo utilizado por mim dentro de minha casa! Percebi como eu estava totalmente mergulhado no trabalho de outras pessoas…
dezembro 7, 2011
Seguindo na lista de filmes premiados no festival de Cannes deste ano, o segundo que assisti foi Árvore da Vida, escrito e dirigido por Terrence Malick. O longa é apresentado, pela crítica, como possuindo um tom existencialista. De fato, não espere encontrar nada convencional, com temáticas facilmente associadas ao banal (no sentido de comum). Nem linearidade. Cenas sem tempo cronológico exato, entrecortadas com níveis absolutamente distintos – por exemplo, nos primeiros 30 minutos, somos levados do trauma do casal O’Brien e com a perda de um de seus filhos à criação do próprio universo, Big Bang, formação do DNA (deduzo eu), aparecimento e extinção dos dinossauros.
É justamente essa oscilação de níveis, dimensões, temporalidades, que nos leva a pensar na efemeridade da vida, na luta de todas as espécies vivas deste planeta para se manterem. A espécie é apresentada ao nível de seus indivíduos (a vida é, sempre, individual). Há uma cena (para mim) forte em que um pequeno “dinossauro”, ao ver o outro deitado na água (ferido por um predador), pisa na cabeça deste e depois segue sozinho. Não há como não se lembrar de Darwin neste momento. Ou então a cena em que vemos o que seriam (suponho) explosões no núcleo do sol, e a majestade do universo, da formação de supernovas, a presença de galáxias… E ainda o encontro de lavra de vulcões com o mar…
Ao mesmo tempo em que tais cenas do universo e de nosso planeta são mostradas, seguimos com o micro-dilema da família O’Brien. Vemos, depois, o trauma do outro filho do casal persegui-lo durante toda a vida. Durante a história toda, segue firme a sensação de incompreensão, a pergunta lançada a Deus: por quê? O livro de Jó é evocado, quando Deus pergunta: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? … Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Como se sabe, Jó sofreu todas as provações possíveis de Deus para manter sua fé.
Gostei desse, digamos assim, “choque de perspectivas” que ele nos faz mergulhar. O efeito, no final, é uma estranha sensação de maravilhamento com a vida.
novembro 27, 2011
Assisti ao filme da diretora estreante, a canadense Julia Leigh: A bela adormecida (Festival de Cannes, 2011). Confesso que, diferentemente das várias críticas que li ao filme, ele me prendeu do começo ao fim e, privado de leitura técnica (por exemplo, sobre os planos extremamente longos, sobre a falta de atuação da atriz Emily Browning (a personagem principal), achei que se trata de um filme com certa complexidade.
Narra-se a estória de Lucy (Emily Browning), uma estudante que trabalha em vários empregos para conseguir pagar seu aluguel e se manter. Em raríssimos momentos a vida interna da personagem é trabalhada, mas dá para perceber que se trata de uma pessoa com vida afetiva praticamente plana – veja-se, por exemplo, o modo como ela trata seu próprio corpo (e não me refiro ao moralismo brega da prostituição)! Pois entre os empregos de Lucy, está o de uma espécie de “prostituta de luxo”, e este luxo aqui não deve ser entendido em sentido comum: ela aceita servir de “corpo adormecido” de homens com muito dinheiro e completamente vazios, cheio de memórias de esposas perdidas.
Lucy passa a trabalhar para Claire, uma cafetina absolutamente sui geniris: seus clientes pagam para ter uma noite com Lucy, podendo fazer tudo menos penetração. O detalhe: Lucy é drogada com um chá que a faz dormir tão profundamente que acorda no outro dia sem saber o que seus “clientes” fizeram com ela. O mais impressionante é a passividade extrema da personagem, ou sua profunda indiferença ao que lhe pedem. Senti por ela uma grande simpatia, apesar de seu aparente vazio (de fato, não se trata de um personagem complexo, denso, mas ainda assim desperta nossa sensibilidade). O corpo despido, sem mistérios, manipulado por um outro sem que haja sujeito a interagir, lembra muito um autômato – fazendo-me recordar do fantástico conto de E.T.A. Hoffmann, Os Autômatos. Além disso, Lucy, contrastada com os “homens sem virtudes” aos quais ela servia, parecia uma peça delicadamente frágil, um objeto, em sentido fetichista.
Em suma, um belíssimo filme, que me fez esquecer por uns instantes do lixo cultural que me circunda. Aliás, um lixo tão grande que só um antropólogo poderia me salvar!
novembro 4, 2011
Como já mencionei aqui antes, o último filme de Lars von Trier, Melancolia, narra a história do “encontro” do planeta Melancholia com a Terra, encontro esse chamado de A dança da morte. É um filme, portanto, sobre o fim do mundo, mas absolutamente diferente dos Doomsday Films que temos por aí. Não há alarde, notícias de TV, arrependimentos boçais ou lágrimas de crocodilo. O “apocalipse sereno”, digamos assim, se passa ao som de Tristão e Izolda, de Wagner.
O fim do mundo, ao estilo von Trier, é contato sob a ótica de duas irmãs, Justine e Claire. A primeira, com quem o diretor começa seu filme, é apresentada em seu casamento. Inicialmente, o espectador fica com a sensação de tratar-se de mais um evento feliz na vida de uma mulher; porém, à medida que a festa avança, vai ficando clara a desolação da personagem, incapaz de dar o passo necessário na farsa do matrimônio.
Aliás, os 10 primeiros minutos do filme, em aterrorizador slow motion, mostra, entre outras coisas, precisamente o peso, a dificuldade, de viver. Nestas cenas iniciais, parece-nos que um excesso de gravidade prende os personagens à terra, segurando seus movimentos (brilhante cena de Justine, vestida de noiva, sendo constrangida em seu movimento para frente).
Brilhante também é a mudança do humor de Justine: de deprimida (não sustenta seu casamento, terminando-o na mesma noite em que ela o celebra; abandona seu emprego, no qual havia, também durante seu casamento, sido promovida…) para uma personagem com brutal resignação quando descobre que o fim do mundo estava próximo. Frase forte dela: a vida na terra é má; em nenhum outro lugar do universo há vida, diz ela, e esta vida é desprezível. Nada mais anti-cristão. Nenhuma postura poderia ser mais negadora da vida, para dizer como Nietzsche.
Claire, em compensação, faz o percurso inverso: de irmã forte, vigorosa e fibrosa (é ela quem planeja e orquestra a festa de casamento da irmã), tão logo descobre o fim iminente, se torna desolada, amedrontada. Ela lamenta a perda da vida na Terra; onde seu filho viveria (ela tinha um filho)? É o futuro interrompido que a desola. O de seu filho, o seu. Por que tudo terminaria assim? Por quê?
O alívio diante do fim do mundo. A meu ver, esta é a mensagem desesperançosa de Lars von Trier. Um mundo que termina pelo encontro inexorável com a Melancholia. Nada de metafísica. É difícil, num efeito catártico, não se identificar com Justine. Acho que von Trier nos ajuda a ver o quão desolador, o quão anti-metafísica é a vida. Nenhuma sensibilidade cristã consegue ver isso; no fundo, a mística cristã nos faz acreditar num propósito, numa teleologia. Chorando ou serenamente, ambas, Justine e Clarice, enfrentam o fim de olhos abertos.
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