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2012, 23/06

* Num ato bem privado, ao digitar cada data acima, uma imensidão de acontecimentos, em forma de flash. A vida é um flash?

Não perca a hora!

Muito bom!

Paralaxe cognitiva

Dia desses um amigo meu me apresentou a idéia de “paralaxe cognitiva”, do filósofo Olavo de Carvalho. Este a define como o “afastamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real anunciado pelo indivíduo”. Isto significa que, quando falamos, criamos uma distância entre o ideal e o vivencial, entre aquilo que efetivamente experienciamos (em primeira pessoa) e aquilo que supomos, desejamos, ou meramente estipulamos normativamente.

Richard Rorty, filósofo norte-americano, dizia algo ligeiramente equivalente quando propunha que, em vez de pensarmos e mirarmos em “mundos ideais possíveis”, nos fixássemos na realidade, no mundo real, no mundo do cotidiano, compartilhado com pessoas de carne-e-osso ao nosso redor. Por exemplo, em vez de ficarmos perlaborando sobre como o Brasil “poderia ser”, poderíamos nos voltar para nossa realidade, pensar em como ela é, em como melhorá-la, não necessariamente em nome ou às sombras da realidade ideal, mas no âmbito do possível, factível. Para Rorty, o que importava não era o mundo (puro) das idéias, mas a experiência (política) de viver uma vida contingencialmente situada.

Com esse amigo, conversamos sobre os dilemas de nossa profissão. Como professores, somos, frequentemente, levados a falar sobre muitas coisas que, de fato, não experienciamos. À primeira vista, pensei, então, que deveríamos ser empiristas, mas, ao ler sobre paralaxe cognitiva diretamente nos textos disponíveis de Olavo de Carvalho, este afirma que o empirista, por exemplo Hume, acreditava que apenas por meio da experiência empírica poderíamos ter acesso à verdade. Mas Carvalho diz que o empirista era, de algum modo, um “tresloucado” que tomava a parte pelo todo. Ao acreditar apenas no que pudesse “tocar”, para recuperar imagem bíblica, o empirista iludir-se-ia com sua visão míope. Então, fiquei sem entender…

Se decidíssemos, a partir de agora, a sincronizar nosso “eixo existencial” com nosso eixo discursivo, teórico, simplesmente nos privaríamos de dizer muitas coisas. Talvez só falássemos daquilo que estamos “sentindo” (teríamos outra forma de acesso à realidade que não pela experiência sensível e pelo que nossa “cognição” faz [meio que autonomamente] desta?). Mas, honestamente, não sei definir o que é “eixo existencial”. Ao falarmos, já estamos instituindo uma distância, um desencontro, entre o que vivemos e o que expressamos. Estou fazendo este post sem ter me apropriado mais profundamente da idéia de Olavo de Carvalho. Por ora, com esta minha forma de entender a questão, fico me perguntando como falar de forma autêntica, onde situar o eixo do pensamento.

Mas admito, com sinceridade, que se distanciar muito do próprio “eixo existencial” gera uma forma de dissonância muito perniciosa. Isso pode levar a um sentimento (quando se tem auto-crítica para tanto!) de “picaretagem”: afinal, o picareta é o que fala do que não vive. Carvalho cita o caso de Marx. Este dizia que só o proletariado poderia entender efetivamente sua situação de alienação; porém, questiona Carvalho, o próprio Marx não era um proletário, assim como muitos que hoje cantam a ladainha da “libertação social” também não vivem em condições de vulnerabilidade, pelo contrário: em geral, estão bem abastecidos atrás de seus salários pequeno-burgueses. Deveriam, então, se calarem, pararem de falar de uma experiência que não é a deles?

Eis aí o dilema: não ser um empirista no sentido tradicional, mas igualmente não ser uma “contradição ambulante”, falando o que sequer consegue vivenciar na própria pele…

A busca de poder e o amor ao conhecimento

Acho que já tenho uma opinião diferente sobre o que frequentemente se discute em relação às universidades federais: de que a vida burocrática abafa o que elas realmente deveriam estar fazendo – pensando a sociedade, produzindo conhecimento.

A existência da burocracia, plasmada ao bolsão de poder que ela oferece a algumas pessoas gananciosas, é ambiente mais do que favorável à existência de espaços para se pensar e produzir coisas que realmente importam para o gênero chamado “ciência”.

Como algumas pessoas gostam do poder burocrático, elas realizam o trabalho de outras que, se tivessem de fazê-lo, simplesmente perderiam seu espírito. A carreira em Y na universidade é uma dádiva para quem quer pesquisar, pensar, escrever, falar livremente.

É fascinante olhar à distância como alguns se enredam nas tramas do poder weberiano. Sentem-se importantes, e, em ato contínuo à espécie neles falando, respiram superioridade. No dia-a-dia da pesquisa, porém, reina o improviso: na agenda, apenas uma linha por semana, se tanto, para discutir novas frentes de trabalho, para ensaiar, para estilizar. Alunos servem de escudo à ausência de ação.

De toda maneira, muitos ganham com isso. De fato, é preciso agradecer a esta brava gente que negocia com o governo, com órgãos federais, com comunidade local, com o poder instituído. Enquanto outros produzem (e são chamados de narcisistas), a máquina burocrática preenche os sonhos dos “empreendedores da caneta”. São verdadeiros mártires do sacrifício do Lattes a uma causa superior. Ok, vou terminar este post sem dar uma de psicanalista, pois poderia interpretar tudo bem diferente.

Corvo

LITTLE TOMBSTONE – ESMA 2011 from Little Tombstone on Vimeo.

A linguagem privada do corpo

Quando o assunto é nosso corpo, sabemos todos nos manifestar. Sabemos, em primeira pessoa, o que nos acontece, o que sentimos, seja em sentido sensorial estrito (uma “pressão” nas costas, por exemplo), como no sentido mais psicofísico (uma sensação de mal-estar, por exemplo). Não há necessidade de teoria para falar de nossos estados corporais. Pelo menos não no sentido formal de teoria – como um conjunto de conceitos compartilhados publicamente e “arquivados” institucionalmente (nas instituições da ciência).

Se quisermos, podemos gastar a maior parte de nossa energia e tempo mentais só em especulações discursivas sobre nosso corpo. E não me refiro aos “corpolatras” de plantão; refiro-me a qualquer pessoa: eu, você que está me lendo. Qualquer um pode gastar longas horas pensando nas sensações enviadas pelo próprio corpo.

Acho que tais sensações compõem uma das mais “privadas” linguagens. Uma das mais “empíricas”. Aliás, a ciência é, como se diz, baseada em dados e fatos empíricos. Os positivistas lógicos, por exemplo, achavam que os componentes mais básicos da linguagem científica eram as sensações. O que digo, em linguagem científica, tem de ter um lastro sensorial (um referente), indubitável, apesar de privado. Sabe-se que isto gerou grande dor de cabeça nos defensores mais “radicais” do positivismo lógico (por exemplo, Neurath, Schlick…).

De todo modo, o que quero dizer é que a linguagem do corpo é, ao mesmo tempo, a mais democrática (em sentido brasileiro do termo) e a mais absurda. Pois pessoas podem nos encher o saco (desculpem-me a expressão) com suas ladainhas de sintomas e sensações. A linguagem do corpo de outra pessoa não me interessa, pois com ela nada posso fazer. Exceto ter empatia, quando muito; ou então simpatia.

Não sei explicar, mas acho que, quanto menos cognitivamente desenvolvida é uma pessoa, mais sua linguagem se torna empírica, fundada (grounded, como dizem o pessoal da área de pesquisa qualitativa) no “fato” corporal (piagetianos, please, poderiam me ajudar?).

Defendo uma “civilização de cérebros”? Nem tanto, mas fato é que, a cada dia que passa, acho mais e mais non-sense (!) essa conversa corporal. Um colega meu, filósofo, dizia que hoje em dia realmente a verdade passa pelo corpo. Olha isto: os empiristas devem estar se remexendo nos seus túmulos ingleses e alemães!

Desbancando

Ótima tirinha do Willtirando.com, publicada hoje. Claro que, se tirarmos o estereótipo de Einstein, a coisa perde um pouco a graça, mas ainda assim me parece refletir bem o espírito da época. Título original: “Entendedor anônimo”.

Autômatos (2) (e a contagem de 2012)

Claro, só para complementar o post anterior: autômatos não se referem só a pessoas; talvez o autômato mais fascinante do imaginário humano seja… o relógio! E é o mesmo relógio que, acoplado a um calendário, nos dá as referências dos segundos, dias, meses e … anos. Portanto, que nossos autômatos-relógios, ao marcarem 00:00:00 do dia 31 para o dia 01/2012, simbolizem nosso ritual infindável de celebração do novo, do recomeço, da renovação das esperanças.

Autômatos

Consta que o escritor E.T.A. Hoffmann era obcecado pela idéia de autômato – veja-se seu conto homônimo e também um outro conto, adorado por psicanalistas, Homem de areia (todos reunidos na coletânea Contos fantásticos, publicada pela Imago, 1993). O personagem, no conto (Os autômatos), se apaixona por Olímpia, uma mulher perfeita: paciente, incapaz de sentir-se entediada por ele, sempre pronta e disposta a ouvir – e a deixá-lo em paz, sem fazê-lo se confrontar com a dura realidade que vivia (da qual sua verdadeira namorada, Clara, lhe dava o retorno). Natanael, o personagem, se apaixona perdidamente por aquela mulher-objeto, mas disto ele só veio a saber mais tarde. Olímpia era a própria imagem de Natanael, com a qual ele se apaixona. Um princípio básico da idéia de amor (narcísico) da psicanálise.

Saindo da ficção, ou pelo menos de um dos núcleos dela (a literatura), a metáfora do autômato parece sempre atual e possui certo fascínio. Quando ouvimos por aí que fulano foi levado por uma força da qual não conseguiu se furtar; ou quando ciclano diz que a sociedade controla suas ações, impedindo-o de “ser ele mesmo”; ou ainda quando, nesta época de festas, vemos os shoppings repletos de pessoas zigue-zagueando de lá para cá comprando ou trocando presentes, movidas por uma aparente força invisível (claro que os publicitários não diriam desta maneira…); ficamos com a sensação de que muita coisa funciona na base do automatismo.

Até em ciência, se considerarmos epistemologias como o Realismo, que advoga que há “mecanismos subjacentes” a diversos fenômenos vistos “a olho nu”, ficaremos com a impressão de que, mais uma vez, estamos diante da linguagem dos automata. Claro que, nas ciências (sociais, humanas, mas, obviamente, elas são as mais “fracas” nesse sentido), o propósito de pressupor autômatos é de predizer o comportamento. Como não temos acesso direto ao que produz este último, pelo menos não em termos de “crenças, desejos e razões” (pois os neurocientistas têm lá seus “truques” para decodificar o comportamento a partir do cérebro), precisamos inferir, em forma reversa a partir do que vemos (comportamento/ações), o que se passa “lá dentro” da cabeça das pessoas, ou mesmo o que se passa “lá fora” na sociedade. Neste último caso, e sobretudo na sociologia inspirada pelo Realismo, fala-se em mecanismos sociais.

Acho bastante interessante esse fascínio pelo autômato, pois, na modernidade, uma das virtudes mais defendidas é a autonomia, a possibilidade de agir por si mesmo. Ainda na Sociologia, sabemos que diversos críticos se colocaram contra essa idéia Renascentista/Iluminista: pense-se, por exemplo, em Marx, Durkheim, e num punhado de estruturalistas (já no terreno da filosofia). Sabemos, hoje, que as coisas não são assim tão cor-de-rosa no terreno da liberdade individual, e que há uma certa tensão entre o espaço de nossa iniciativa e o das outras pessoas com as quais convivemos e o das instituições pelas quais circulamos.

Mas o idéia de autômato realça o lado exatamente oposto: a fantasia, o engodo, o simulacro de auto-controle. Autômatos acreditam (e julgam conscientemente) que estão no controle. É justamente essa a essência do autômato: mover-se, falar, “performar” em todos os cenários, COMO SE fosse ele a fazê-lo, por sua própria escolha. E, mesmo que, num raio de consciência, perceba que é o próprio ponto de inflexão de forças das quais não tem controle, acaba por concluir que “é assim mesmo” e que, uma vez na luta, precisa reagir. Mas conseguiria esta reação equalizar-se com a ação dos outros/Outros sobre ele? Difícil saber, realmente difícil. Acho que, quanto mais somos indivíduos (no sentido moderno, uma unidade que se percebe/crê autônoma, livre), mais reforçamos o “tableau”, o estrado que é a vida em sociedade.

Loser

Hoje o dia está bem agitado, a julgar pelos posts daqui, não é mesmo, digníssimo amig@? Entre a realização intermitente do trabalho que tenho de dar conta, umas lidas aqui e ali, e algumas idéias. Desta vez, gostaria de compartilhar algumas coisas interessantes sobre a idéia social, especialmente norte-americana, do loser, ou, literalmente, perdedor.

Para começar, sugiro uma matéria bem interessante de Cynara Menezes, na Carta Capital, a qual leva o título Elogio ao loser. Achei muito interessante que ela recupera o saudoso personagem Charlie Brown, do Snoopy. Ele é apresentado como um exemplo de loser, como alguém que não se guia pela ambição de “vencer na vida”, como se diz. Cynara discute, quase em estilo depoimento, que o loser tem lá seu charme, pois reflete mais o modo como a vida efetivamente funciona. E diz que “Perder ou ganhar está mais no olhar do outro do que no nosso próprio”. Pode ser verdade. E seria bem interessante se fosse, pois equivaleria a dizer que o loser tem a ver com as expectativas dos outros, com os desejos desse outro sobre nós. A cultura em geral dissemina a idéia de que só os vencedores merecem respeito. Machado de Assis, com sua sarcástica sabedoria, disse que “aos vencedores, as batatas!”. De todo modo, a cultura média nos ensina que os vencedores são melhores, são mais dignos de confiança, são mais desejáveis (pelas mulheres – pois, sim, a idéia do loser é bastante machista!), mais bonitos, mais ricos, de algum modo mais próximos do que a vida “efetivamente” seria. Sei não, no imaginário, ainda prefiro Charlie Brown a qualquer outro galã bem-sucedido do cinema (para ficar na ficção).

Para terminar, na mesma Carta Capital, achei uma matéria bem interessante sobre túmulos de pessoas célebres. Em particular, uma me chamou a atenção, a qual reproduzo abaixo e me despeço por hoje:

Karl Marx: Marx morreu sem propriedades ou dinheiro, e apenas 11 pessoas estiveram em seu enterro em 1883. Seu túmulo é o mais visitado no cemitério de Highgate, em Londres, e foi transferido para uma posição mais destacada devido ao número de visitantes.


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