Assisti ao filme The heart of a dog, de Laurie Anderson, lançado em 2015. Nele, há uma menção à pintura abaixo, de Goya. Tudo o que diz respeito a animais, especialmente cachorros, toca algo profundamente emocional em mim. Neste filme-documentário, o cachorro ocupa um lugar especial, servindo como ponto de partida para reflexões sobre a vida, a morte, o sentido da realidade e o lugar do amor. A narrativa é conduzida pela voz da própria diretora, que entrelaça suas experiências de vida com esses temas. O filme se encerra de forma tocante, ao som da belíssima música de Lou Reed, Turning Time Around.

Francisco de Goya. The dog [1819-1823]
Há quem interprete essa pintura como a representação de um cachorro afogando ou afundando em areia movediça. Percebendo seu fim inevitável, solitário e desamparado, ele olha para cima, talvez na esperança de alguma ajuda. De fato, os vínculos entre cães e humanos remontam às profundezas do tempo. Assim, talvez ele aguardasse a providência de algum humano ou deus que viesse resgatá-lo. Vou prosseguir com as projeções e interpretações desta imagem.
A parte inferior da figura, mais escura, representa a terra, o mundo da vida. Já o vasto céu, de um dourado que se estende ao infinito, simboliza o etéreo, a impermanência, mas também o absoluto, a vastidão do Universo. A delicada cabeça do cachorro, quase mínima, é o ponto de interseção entre o imanente (a terra, o concreto) e o transcendente (o céu, o infinito).
A vida, no fundo, não é exatamente isso? Nosso corpo é apenas uma membrana, um ponto de consubstanciação provisória entre o pouco de matéria que nos permite tangibilizar o espaço e preenchê-lo, e o nada de onde viemos e para onde retornaremos. A própria Terra — o planeta, neste caso — não é senão outra frágil membrana desempenhando a mesma função. Não conheço as proporções matemáticas exatas, mas arrisco dizer que a materialidade da Terra, como ponto de massa situado no espaço e no tempo, é proporcionalmente ínfima em relação ao Universo, assim como nosso corpo (nossa massa) é ínfimo quando comparado à Terra.