Malária
janeiro 10, 2013
janeiro 9, 2013
Escrevo aqui de algum ponto abstrato no espaço. Não vou lhes dizer em que ponto estou, exatamente. Hoje gostaria de fazer uma rápida reflexão sobre os níveis em que podemos estar confinados em nossa existência.
O nível mais básico é o fisiológico. Cada vez mais me convenço de que é a fisiologia, como um sistema autônomo (ou quase) e integrador de diversos sub-sistemas, que governa nossa vida. Há, basicamente, a fisiologia (entendida aqui, genericamente, como um macro-sistema), o cérebro e a cerebralidade (cultura, signos, sentidos, etc.), e o ambiente (físico). A fisiologia é o corpo primitivo: o sistema cárdio-respiratório, cárdio-vascular, digestivo, etc. Mesmo as partes “primitivas” do cérebro, cujo valor é de auto-regulação fisiológica.
A existência, no nível fisiológico, é governada por leis e quase-leis. No primeiro caso, temos as associações e correlações entre propriedades, substâncias, “entidades” – e que podem ser (e o são, mesmo com certa margem de erro e arbitrariedade) explicadas pelas ciências médicas e biológicas (e físico-químicas) em geral. No segundo caso, o das “quase-leis”, estamos em áreas fronteiriças, áreas ambiguas, reversíveis e etc.: na área da mente, dos sistemas influenciados por esta – em suma, estamos no campo das interpretações (e fantasias) do cérebro.
Portanto, um outro nível de existência é justamente o que se deriva, ou está associado, à área regulada pelas quase-leis. Alguns filósofos denominam este campo como aquele regulado pelas razões (diferentemente das leis, mencionadas a pouco). Trata-se de um nível no qual podemos inferir influências recíprocas entre ambos: o macro-sistema fisiológico e o sistema mental (neurológico, se se quiser). Aqui ainda estamos num campo em que há elos de compromisso entre os vários níveis.
Mas há um terceiro nível (haveria muitos outros a descrever, conforme o sistema linguístico escolhido), e o denomino de nível da pura arbitrariedade do signo. Já falei disto aqui, em outro momento. Bom, nesse nível o que encontramos são elaborações muitas vezes desprovidas de qualquer base empírica (e há, contra amadores de plantão, sim, uma base empírica – a fisiologia está aí para nos confrontar exatamente com isso!), mas que, indiretamente, podem mesmo levar a arranjos empíricos. Um exemplo deste nível pode ser encontrado na publicidade, na vida quase “paralela” em que vivem “astros e estrelas” de televisão, ou mesmo muitos de nossos conhecidos, até mesmo nosso vizinho ao lado!
Esse terceiro nível pode, no limite, levar a imensas zonas de sombras, verdadeiros bunkers no meio da vida social. Vulgarmente, tais zonas podem ser confundidas com processos alienantes, embora “alienação” seja uma palavra metafísica demais para o propósito descritivo aqui. Alguns antropólogos ou sociólogos (ou mesmo psicólogos) poderiam denominar este nível de existência como nível cultural, de classe, de grupo, de sociedade, etc. Acho, honestamente, esse um dos mais complicados níveis de existência, pois ele não tem nenhum referente fora de si mesmo que possa, de modo ad hoc, firmar sua “verdade”. É a prostituição do signo, ligada ao campo do jogo de forças e da potência entre indivíduos e/ou grupos sociais. É neste nível que são afirmadas algumas verdades prêt-à-porter, e que nos dispõem os recursos heurísticos mais banais, no sentido de vida cotidiana.
Acho o terceiro nível perigoso, em suma. Mais e mais tenho achado perigoso o fato de um conjunto cada vez mais amplo de seres humanos, bípedes sem penas dotados de linguagem, constituírem uma manada, cada um sendo uma espécie de “gerador de significados” a ventilar pelo mundo, graças às redes tecnológicas. Eu mesmo, que ironia, estou fazendo isso exatamente nesse momento!
setembro 28, 2012
Primeiro, vejam este vídeo – bem interessante, cuja “filosofia” é de não misturarmos certas coisas, pois não dariam nenhum pouco certo…
Agora, eu gostaria de completar com minha “lista de desejos” do que eu acho que não deveríamos misturar. A premissa básica é: eu sou eu, você é você. Sim, somos seres independentes, embora interligados de algum modo. Mesmo assim, ser independente quer dizer: a) que você, e só você, sente uma dor; b) que só você, e somente você, vai morrer do jeito que você vai morrer; c) que nada, nem com a melhor das filosofias exóticas, pode garantir que você sinta algo que o outro sente, e vice-versa; d) que apenas você sabe o que pensa, acredita nas coisas que acredita (embora viva imerso num mundo de significados compartilhados). Posto isso, passo à minha lista ou (arrisco dizer) “oração” (sim, pois são muito mais desejos do que práticas cotidianas…).
Não vamos juntar, não vamos confundir…
1) Seu fracasso com meu sucesso; ou meu fracasso com o seu sucesso, a menos que eu seja o explorador, ou que eu seja o explorado;
2) Suas experiências pessoais, sobre o que quer que seja, com minhas crenças e valores – por mais que estejamos numa mesma cultura ou sub-cultura, é problema seu aquilo em que você acredita;
3) O caso particular com o caso geral: as regras de sua vida não necessariamente se aplicam à minha; seus medos, suas angústias, sua maneira enviesada de ver a realidade, não necessariamente têm a ver com as mesmas coisas que ocorrem em mim;
4) O seu mundo com o meu, suas fraquezas com as minhas, suas forças com as minhas;
5) Seu delírio com o meu delírio;
6) Sua experiência de vida, sua “senioridade”, com a minha experiência de vida; você fala de um lugar muito seu, de uma mesquinharia que é só sua, não minha; as minhas, delas cuido-as eu;
7) Seu desejo de agradar, de “ser legal” (para ganhar alguma coisa), com minha ousadia, meu desejo de te falar que “F.U., eu falo o que penso”;
8) Seu gozo com o meu (leiam Lacan para entender);
9) Seus critérios do justo, do certo, do bonito, do feio; suas ideias sobre o que é melhor ou pior – não generalize, indutivamente, a partir de si mesmo. Não se ache um “exemplar” da espécie – lute pela impessoalidade gritante, pelo “imperativo categórico”;
10) Sua hipocrisia com a minha.
Uma coisa eu te digo: como a vida é um grande e insidioso jogo de espelhos. Como nos confundimos, como nos projetamos, nos alienamos, nos “externalizamos” em supostas regras “coletivas”, “compartilhadas”.
Alguém conhece poder maior do que ser um indivíduo?
setembro 7, 2012
Será que ser pesquisador de psicologia equivale a ser professor de psicologia? E quanto a ser um profissional de psicologia? Acredito que não sejam as mesmas coisas. Correspondem, as três, a papéis distintos, com impactos diferenciados em termos de aprendizagem.
O pesquisador olha para um fenômeno e se pergunta: por que ele ocorre? Quais forças o determinam? Como pensar em sua evolução/desenvolvimento ao longo do tempo? Para tudo isso, deve colocar tal fenômeno contra o pano de fundo de uma teoria, e, com esta, fazer uma opção pelo seu entendimento do real. A pesquisa é lenta, segue um ritual próprio.
O professor, em seu turno, é um transmissor do saber estabelecido. Não significa, como alguns pensam, que apenas reproduz, repete. Pode até acontecer, mas, efetivamente, não precisa ser assim. Quem já deu aula e levou esta atividade a sério sabe que é, sim, possível produzir conhecimento à medida que se fala sobre um assunto, que se interage com o aluno. Uma aula bem dada, num bom entrosamento aluno-professor, permite grande aprendizado – ainda mais para o professor, um ser cuja ação é, sobretudo (nas humanas), linguística.
E o profissional? Este deve lidar com problemas práticos, determinados por diversas forças: econômicas, políticas, institucionais, pessoais, interpessoais. A realidade se apresenta ao profissional como um caos relativamente organizado, mas, ainda assim, problemático. O profissional muitas vezes não tem tempo para “rever a literatura” para saber o que outros fizeram ou recomendam que se faça para o melhor resultado. Profissionais atuam no âmbito do cotidiano, e este é totalmente indiferente a matrizes teóricas, epistemológicas, etc.
Para mim, há um salto imenso do pesquisador para o profissional. Em ciências humanas, dizer que a pesquisa “sustenta” a prática do profissional é, no contexto brasileiro, uma ignorância. Uma inverdade. Ao mesmo tempo, poucos profissionais realmente pensam suas práticas; poucos têm o espírito e a disposição para ver a realidade e suas “demandas” com o olhar de quem hesita (diante do saber). A difusão da pesquisa para a prática é, institucionalmente falando, uma piada. Não é à toa que universidades se fecham em si mesmas.
Uma saída é o pesquisador vivenciar outros papéis – de parceiro do profissional, por exemplo – mesmo com as dificuldades acima apontadas. Há riscos: o pesquisador-consultor; o pesquisad0r-palestrante; o pesquisador-vedete. Seja com for, há necessidade de outras competências: um ótimo pesquisador, entre quatro paredes de uma sala de aula de pós-graduação, se reduz a pó quando não consegue articular capital (humano, social, político, etc.).
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