Economia criativa em São Paulo

Acaba de sair um relatório bem completo e interessante da Prefeitura paulista sobre as indústrias criativas na cidade de São Paulo (“Economia criativa na cidade de São Paulo: Diagnóstico e potencialidade). São dados recentes e animadores sobre o setor. Os interessados podem acessá-lo aqui.

Não perca a hora!

Muito bom!

Paralaxe cognitiva

Dia desses um amigo meu me apresentou a idéia de “paralaxe cognitiva”, do filósofo Olavo de Carvalho. Este a define como o “afastamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real anunciado pelo indivíduo”. Isto significa que, quando falamos, criamos uma distância entre o ideal e o vivencial, entre aquilo que efetivamente experienciamos (em primeira pessoa) e aquilo que supomos, desejamos, ou meramente estipulamos normativamente.

Richard Rorty, filósofo norte-americano, dizia algo ligeiramente equivalente quando propunha que, em vez de pensarmos e mirarmos em “mundos ideais possíveis”, nos fixássemos na realidade, no mundo real, no mundo do cotidiano, compartilhado com pessoas de carne-e-osso ao nosso redor. Por exemplo, em vez de ficarmos perlaborando sobre como o Brasil “poderia ser”, poderíamos nos voltar para nossa realidade, pensar em como ela é, em como melhorá-la, não necessariamente em nome ou às sombras da realidade ideal, mas no âmbito do possível, factível. Para Rorty, o que importava não era o mundo (puro) das idéias, mas a experiência (política) de viver uma vida contingencialmente situada.

Com esse amigo, conversamos sobre os dilemas de nossa profissão. Como professores, somos, frequentemente, levados a falar sobre muitas coisas que, de fato, não experienciamos. À primeira vista, pensei, então, que deveríamos ser empiristas, mas, ao ler sobre paralaxe cognitiva diretamente nos textos disponíveis de Olavo de Carvalho, este afirma que o empirista, por exemplo Hume, acreditava que apenas por meio da experiência empírica poderíamos ter acesso à verdade. Mas Carvalho diz que o empirista era, de algum modo, um “tresloucado” que tomava a parte pelo todo. Ao acreditar apenas no que pudesse “tocar”, para recuperar imagem bíblica, o empirista iludir-se-ia com sua visão míope. Então, fiquei sem entender…

Se decidíssemos, a partir de agora, a sincronizar nosso “eixo existencial” com nosso eixo discursivo, teórico, simplesmente nos privaríamos de dizer muitas coisas. Talvez só falássemos daquilo que estamos “sentindo” (teríamos outra forma de acesso à realidade que não pela experiência sensível e pelo que nossa “cognição” faz [meio que autonomamente] desta?). Mas, honestamente, não sei definir o que é “eixo existencial”. Ao falarmos, já estamos instituindo uma distância, um desencontro, entre o que vivemos e o que expressamos. Estou fazendo este post sem ter me apropriado mais profundamente da idéia de Olavo de Carvalho. Por ora, com esta minha forma de entender a questão, fico me perguntando como falar de forma autêntica, onde situar o eixo do pensamento.

Mas admito, com sinceridade, que se distanciar muito do próprio “eixo existencial” gera uma forma de dissonância muito perniciosa. Isso pode levar a um sentimento (quando se tem auto-crítica para tanto!) de “picaretagem”: afinal, o picareta é o que fala do que não vive. Carvalho cita o caso de Marx. Este dizia que só o proletariado poderia entender efetivamente sua situação de alienação; porém, questiona Carvalho, o próprio Marx não era um proletário, assim como muitos que hoje cantam a ladainha da “libertação social” também não vivem em condições de vulnerabilidade, pelo contrário: em geral, estão bem abastecidos atrás de seus salários pequeno-burgueses. Deveriam, então, se calarem, pararem de falar de uma experiência que não é a deles?

Eis aí o dilema: não ser um empirista no sentido tradicional, mas igualmente não ser uma “contradição ambulante”, falando o que sequer consegue vivenciar na própria pele…

Crowdfunding científico

Tempos atrás noticiei aqui sobre a prática do crowdfunding para promoção de eventos culturais. Agora, ela chegou à ciência. Em uma interessante matéria do blog de ciência da Revista Piauí, Bernardo Esteves mostra como, mesmo aqui no Brasil, a prática se insinua. É como se fosse uma espécie de CNPQ pulverizado, cada um de nós ocupando o lugar de nano-investidores a fundo perdido de projetos cujo interesse depende, penso eu, da capacidade de “venda” de seus propositores (veja dois vídeos disponíveis na matéria).

É mais ou menos assim. Eu, que atualmente pesquiso empreendedorismo nas indústrias criativas, faria um vídeo no qual apresento as vantagens de alguém investir na minha pesquisa, como citação do nome em produtos de divulgação (imagine: no artigo fruto da pesquisa, uma nota de rodapé listaria todos os “patrocinadores” da pesquisa, em vez do CNPQ, CAPES ou FAPEs estaduais…). A idéia é interessante, pois, se pararmos para pensar, o dinheiro de agências de fomento provém, em sua totalidade, do governo – que, obviamente, o obtém junto à sociedade. Portanto, em vez de delegar a um ou outro órgão a decisão sobre o “onde” investir (geralmente, tais órgãos mencionam questão de “interesse nacional”…), o próprio “contribuinte” pode decidir onde investir. Claro que isto traz riscos, por exemplo, como controlar/monitorar o destino do dinheiro? Superada essa dúvida “prática”, a iniciativa é interessante, e põe em evidência uma questão central, concernente aos propósitos e aos interesses de se realizarem determinadas pesquisas. Dá o que pensar.

Prefiro ouvir a falar (12)

Já fazia algum tempo que estava atrás desta versão para The Scientist, do Willie Nelson. Fico na cruel dúvida sobre se ele não conseguiu superar o Coldplay. O que você acha?

Aperto de mãos (março 2012)

O que significa este aperto de mãos? Dois presidentes, 16 anos da história contemporânea do Brasil. Gosto muito de pensar nos gestos particulares que remetem a conjunturas bem além. Não se trata de um mero aperto de mãos de dois indivíduos; há muita história entre esse aperto de mãos. Semioticamente, plenamente carregado. Obviamente, não destaco o momento do aperto de mãos (março, atual conjuntura); olhe através do aperto em questão: veja o passado, imagine o futuro. Acho que este gesto é um nano-episódio de nossa história (repito: desde que você olhe além do imediatismo do gesto).

Carne e pedra

Uma notícia me chamou a atenção hoje. Na Avenida 23 de Maio, em São Paulo, um porco caiu de um veículo em movimento e foi atropelado (ver imagem).

Richard Sennett, importante sociólogo norte-americano, escreveu um livro bem interessante, publicado no Brasil há alguns anos, chamado Carne e Pedra. Nele, Sennett discute a relação entre o corpo (humano) e a cidade, a metrópole.

São Paulo, das cidades brasileiras que conheço, é uma das que mais me dá a sensação de concreto: não no sentido de algo sólido, obviamente, mas no estrito sentido de que é uma cidade absolutamente moldada à imagem do concreto, esse material que tenta imitar, humanamente, a “solidez” da natureza (o concreto, nesse sentido, é um exemplo de natureza humanizada). Refiro-me à pouca proporção entre verde/cinza, o que, decerto, não deve ser “privilégio” só da capital paulista. Mas, seu tom cinza sempre me amedrontou.

O contraste entre o cinza e a pele limpidamente rosa do porco me fez lembrar, mais uma vez, desse abismo que as cidades impõem entre o orgânico e o inorgânico, entre o corpo e o concreto. No caso do animal em questão, o dilema é ainda mais paroxístico, pois o porco, apesar de um “ser vivo”, seria, muito provavelmente, abatido pelo seu proprietário – que, aliás, como diz a matéria que eu li, “fugiu do local”.

O porco, nesse quixotesco acontecimento, só me fez lembrar do quão impregnados de “cinza” nós estamos. Sua situação [a do porco] é ainda pior que a dos cachorros de rua, frequentemente atropelados por motoristas apressados, com olhar fixo no cinza do horizonte (aliás, dentro do próprio carro é cinza…). Sua situação é pior pois ele é um objeto em sentido duplo: ao ser alimento (objeto-carne, bacon, etc.), e ao ser, aí sim como qualquer outro de nós, mais um corpo frágil na cidade.

A busca de poder e o amor ao conhecimento

Acho que já tenho uma opinião diferente sobre o que frequentemente se discute em relação às universidades federais: de que a vida burocrática abafa o que elas realmente deveriam estar fazendo – pensando a sociedade, produzindo conhecimento.

A existência da burocracia, plasmada ao bolsão de poder que ela oferece a algumas pessoas gananciosas, é ambiente mais do que favorável à existência de espaços para se pensar e produzir coisas que realmente importam para o gênero chamado “ciência”.

Como algumas pessoas gostam do poder burocrático, elas realizam o trabalho de outras que, se tivessem de fazê-lo, simplesmente perderiam seu espírito. A carreira em Y na universidade é uma dádiva para quem quer pesquisar, pensar, escrever, falar livremente.

É fascinante olhar à distância como alguns se enredam nas tramas do poder weberiano. Sentem-se importantes, e, em ato contínuo à espécie neles falando, respiram superioridade. No dia-a-dia da pesquisa, porém, reina o improviso: na agenda, apenas uma linha por semana, se tanto, para discutir novas frentes de trabalho, para ensaiar, para estilizar. Alunos servem de escudo à ausência de ação.

De toda maneira, muitos ganham com isso. De fato, é preciso agradecer a esta brava gente que negocia com o governo, com órgãos federais, com comunidade local, com o poder instituído. Enquanto outros produzem (e são chamados de narcisistas), a máquina burocrática preenche os sonhos dos “empreendedores da caneta”. São verdadeiros mártires do sacrifício do Lattes a uma causa superior. Ok, vou terminar este post sem dar uma de psicanalista, pois poderia interpretar tudo bem diferente.

Alguém sabe…

… onde fica “essa” Babilônia?

Sujeito coletivo

Adam Smith, o conhecido “pai” da visão moderna de homem como agente econômico, acertou em cheio num ponto: o ser humano é movido por interesses egoístas. Uma espécie de força atávica nos arranca da inércia e nos precipita na busca infindável de nossos interesses. Alie a isso uma sociedade de consumo, e, pronto, temos a receita completa de uma forma de conceber o “motor” da ação.

O sujeito das organizações, das empresas, é um sujeito econômico. Ele faz o que faz embalado pela remuneração – embora salário gordo não quer dizer pessoa que preste. Marx e sua leitura do capital como um motor; porém, do sujeito particular, não necessariamente do sujeito coletivo.

E quem seria o “sujeito coletivo”? Por que uma escola particular é “melhor” do que uma escola pública da periferia? Por que em bairros de gente com dinheiro não existe ONG humanitária? Ou então algum “equipamento social” de assistência? Pois numa “comunidade” com dinheiro, este é o próprio motor da ação – da construção das casas, da segurança, da urbanização, da limpeza das ruas, das escolas e, sobretudo, da plataforma subjetiva em que se assenta a vida humana. O “amor”, por exemplo, parece encontrar solo mais “propício” em lares fartos (veja que coloquei ” ” nas palavras!).

Em comunidades pobres, o poder de agência é, em geral, público. Ou então de instituições do chamado “terceiro setor”. As dificuldades que as instituições ali sofrem são dantescas: testemunham, na beira do mundo “civilizado”, o que se passa quando não se tem um sujeito coletivo, quando a ação ou agência se ancora, unicamente, no instinto (na verdade, na razão) de sobrevivência. Violência, drogas, prostituição, homossexualidade infantil, fatricínio, latrocínio, doenças psicológicas, decadência ambiental, etc. Profissionais mal-remunerados têm, a cada dia, de levar o catequismo da “dignidade humana” a quem não a tem, não a quer ou simplesmente não a pode obter por si mesmo.

Em que consiste “fazer civilização”? Em que consiste viver juntos? Em que consiste o sujeito coletivo? Por que é tão difícil, aparentemente (não tenho experiência nisso, e, portanto, o que digo não esgota a realidade, sendo, muito antes, talvez apenas uma pálida e distorcida visão dela), fazer pessoas que não têm capital econômico mobilizarem-se até mesmo para cuidar de si próprias? E por que, intuitivamente, é o desânimo que se abate sobre profissionais encarregados de lutar nessa batalha?

Só sei que clichês não resolverão o problema da desarticulação do sujeito coletivo. Ao mesmo tempo, sinto que, para este se revelar, é preciso algum tipo de “faísca”. Pergunto ao Marx de tempos idos: onde está a “inteligência geral”? Onde está a astúcia do sujeito coletivo, pobre e sem “equipamentos” para entender a complexidade desse mundo?


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