Zoom

Seguindo na lista de filmes premiados no festival de Cannes deste ano, o segundo que assisti foi Árvore da Vida, escrito e dirigido por Terrence Malick. O longa é apresentado, pela crítica, como possuindo um tom existencialista. De fato, não espere encontrar nada convencional, com temáticas facilmente associadas ao banal (no sentido de comum). Nem linearidade. Cenas sem tempo cronológico exato, entrecortadas com níveis absolutamente distintos – por exemplo, nos primeiros 30 minutos, somos levados do trauma do casal O’Brien e com a perda de um de seus filhos à criação do próprio universo, Big Bang, formação do DNA (deduzo eu), aparecimento e extinção dos dinossauros.

É justamente essa oscilação de níveis, dimensões, temporalidades, que nos leva a pensar na efemeridade da vida, na luta de todas as espécies vivas deste planeta para se manterem. A espécie é apresentada ao nível de seus indivíduos (a vida é, sempre, individual). Há uma cena (para mim) forte em que um pequeno “dinossauro”, ao ver o outro deitado na água (ferido por um predador), pisa na cabeça deste e depois segue sozinho. Não há como não se lembrar de Darwin neste momento. Ou então a cena em que vemos o que seriam (suponho) explosões no núcleo do sol, e a majestade do universo, da formação de supernovas, a presença de galáxias… E ainda o encontro de lavra de vulcões com o mar…

Ao mesmo tempo em que tais cenas do universo e de nosso planeta são mostradas, seguimos com o micro-dilema da família O’Brien. Vemos, depois, o trauma do outro filho do casal persegui-lo durante toda a vida. Durante a história toda, segue firme a sensação de incompreensão, a pergunta lançada a Deus: por quê? O livro de Jó é evocado, quando Deus pergunta: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? … Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Como se sabe, Jó sofreu todas as provações possíveis de Deus para manter sua fé.

Gostei desse, digamos assim, “choque de perspectivas” que ele nos faz mergulhar. O efeito, no final, é uma estranha sensação de maravilhamento com a vida.

Corujas. Lindo!

Loser

Hoje o dia está bem agitado, a julgar pelos posts daqui, não é mesmo, digníssimo amig@? Entre a realização intermitente do trabalho que tenho de dar conta, umas lidas aqui e ali, e algumas idéias. Desta vez, gostaria de compartilhar algumas coisas interessantes sobre a idéia social, especialmente norte-americana, do loser, ou, literalmente, perdedor.

Para começar, sugiro uma matéria bem interessante de Cynara Menezes, na Carta Capital, a qual leva o título Elogio ao loser. Achei muito interessante que ela recupera o saudoso personagem Charlie Brown, do Snoopy. Ele é apresentado como um exemplo de loser, como alguém que não se guia pela ambição de “vencer na vida”, como se diz. Cynara discute, quase em estilo depoimento, que o loser tem lá seu charme, pois reflete mais o modo como a vida efetivamente funciona. E diz que “Perder ou ganhar está mais no olhar do outro do que no nosso próprio”. Pode ser verdade. E seria bem interessante se fosse, pois equivaleria a dizer que o loser tem a ver com as expectativas dos outros, com os desejos desse outro sobre nós. A cultura em geral dissemina a idéia de que só os vencedores merecem respeito. Machado de Assis, com sua sarcástica sabedoria, disse que “aos vencedores, as batatas!”. De todo modo, a cultura média nos ensina que os vencedores são melhores, são mais dignos de confiança, são mais desejáveis (pelas mulheres – pois, sim, a idéia do loser é bastante machista!), mais bonitos, mais ricos, de algum modo mais próximos do que a vida “efetivamente” seria. Sei não, no imaginário, ainda prefiro Charlie Brown a qualquer outro galã bem-sucedido do cinema (para ficar na ficção).

Para terminar, na mesma Carta Capital, achei uma matéria bem interessante sobre túmulos de pessoas célebres. Em particular, uma me chamou a atenção, a qual reproduzo abaixo e me despeço por hoje:

Karl Marx: Marx morreu sem propriedades ou dinheiro, e apenas 11 pessoas estiveram em seu enterro em 1883. Seu túmulo é o mais visitado no cemitério de Highgate, em Londres, e foi transferido para uma posição mais destacada devido ao número de visitantes.

Ego

O budismo, como muitos devem saber, é uma “filosofia” que, entre muitas coisas, tem a ver com a disciplina do desejo. Entenda-se aqui tal desejo como uma palavra singular que se refere à pluralidade de necessidades do ego, essa “instância” consciente que passa o mundo por seu crivo. De fato, em grande parte das nossas questões do cotidiano, o ego está sempre envolvido: pensamos nos nossos projetos pessoais, nos nossos sonhos, nos nossos interesses, nas nossas crenças e convicções, nos nossos medos, na nossa inveja, no nosso amor e assim por diante. Aliás, uma das formas mais primitivas de amor, digamos assim, é o amor do ego pelo outro enquanto “espelho” de si. Nesta conhecida (e simples) descrição do amor, amamos o igual, a imagem de nós nos outros. Ainda aqui, neste nível, a dimensão da alteridade é reduzida à mesmidade.

Mas é claro que, mesmo nos domínios do ego (consciência, como também corporalidade), existe sempre a intromissão do Outro enquanto alteridade, enquanto estranho irredutível. A experiência sexual, por exemplo, é uma forma de encontro “real” entre dois egos – familiares e estranhos para si mesmo. É na experiência sexual que a dimensão mais forte da alteridade se manifesta, por meio do corpo do outro. Claro que, se fizermos um exame a céu aberto, veremos, “coincidentemente”, o quanto os casais se parecem fisicamente – no jeito de se vestir, e, especialmente, no modo como parecem tratar e conceber seus corpos, o que, indiretamente, se refere a seu ego. Freud dizia que o corpo é a superfície (a extensão) do ego.

Tudo isso é relativamente bem sabido no ambiente da psicologia. Contudo, e este é o motivo deste meu post, o que me inquieta é a sensação de que, sempre que “esquecemos” nosso ego, o mundo parece fluir mais significativamente. É paradoxal, pois, sem o ego, não há o centro cognitivo da ação consciente; sem ele, não há consciência. Mas eu estaria correto em dizer isto? Em sugerir que o ego é o centro da consciência e que, por esse motivo, o esquecimento do ego seria, ato contínuo, o apagamento do sujeito da ação? Pois penso que não, e aí é que está o paradoxo – quando experenciamos o mundo em algum registro que não o estritamente egóico, o campo da experiência parece transformar-se.

Exemplos práticos. No trabalho, em vez de eu pensar nos meus interesses mais imediatos, se eu pensar no trabalho propriamente dito (o que “tem de ser feito”), a atividade parece desdobrar-se mais serenamente. Quando, numa relação, não fico “segurando o osso”, portanto, quando esqueço a minha voz monocórdia interior, sempre a inspirar pela linguagem do “tenha interesse próprio, logo, exista!”, e deixo o outro manifestar-se, então as brigas parecem não me afetar – ou me afetam diferentemente. Nestes dois exemplos, não pensar em si parece condição para a fluência dos acontecimentos.

Não sei solucionar o paradoxo, só acho que nosso ego é, ao mesmo tempo, impotência e onipotência. Egos muito grandes talvez queiram dizer medo muito grande, medo da insignificância, da intolerância ao fato de que temos pouca ou quase nenhum poder sobre os acontecimentos do mundo. Pelo menos não o ego nietzschiano… Não é interessante que, semelhantemente ao budismo, o cristianismo também defenda a idéia de “corpo”, isto é, de algo maior do que o ego isolado, a mônada de Leibniz? Um ego muito grande ocuparia tanto espaço que sobraria pouco para Deus.

Prefiro ouvir a falar (8)

Antigo, mas bom ainda!

A bela adormecida

Assisti ao filme da diretora estreante, a canadense Julia Leigh: A bela adormecida (Festival de Cannes, 2011). Confesso que, diferentemente das várias críticas que li ao filme, ele me prendeu do começo ao fim e, privado de leitura técnica (por exemplo, sobre os planos extremamente longos, sobre a falta de atuação da atriz Emily Browning (a personagem principal), achei que se trata de um filme com certa complexidade.

Narra-se a estória de Lucy (Emily Browning), uma estudante que trabalha em vários empregos para conseguir pagar seu aluguel e se manter. Em raríssimos momentos a vida interna da personagem é trabalhada, mas dá para perceber que se trata de uma pessoa com vida afetiva praticamente plana – veja-se, por exemplo, o modo como ela trata seu próprio corpo (e não me refiro ao moralismo brega da prostituição)! Pois entre os empregos de Lucy, está o de uma espécie de “prostituta de luxo”, e este luxo aqui não deve ser entendido em sentido comum: ela aceita servir de “corpo adormecido” de homens com muito dinheiro e completamente vazios, cheio de memórias de esposas perdidas.

Lucy passa a trabalhar para Claire, uma cafetina absolutamente sui geniris: seus clientes pagam para ter uma noite com Lucy, podendo fazer tudo menos penetração. O detalhe: Lucy é drogada com um chá que a faz dormir tão profundamente que acorda no outro dia sem saber o que seus “clientes” fizeram com ela. O mais impressionante é a passividade extrema da personagem, ou sua profunda indiferença ao que lhe pedem. Senti por ela uma grande simpatia, apesar de seu aparente vazio (de fato, não se trata de um personagem complexo, denso, mas ainda assim desperta nossa sensibilidade). O corpo despido, sem mistérios, manipulado por um outro sem que haja sujeito a interagir, lembra muito um autômato – fazendo-me recordar do fantástico conto de E.T.A. Hoffmann, Os Autômatos. Além disso, Lucy, contrastada com os “homens sem virtudes” aos quais ela servia, parecia uma peça delicadamente frágil, um objeto, em sentido fetichista.

Em suma, um belíssimo filme, que me fez esquecer por uns instantes do lixo cultural que me circunda. Aliás, um lixo tão grande que só um antropólogo poderia me salvar!

Célula

BEAT from or bar-el on Vimeo.

Imitação

Na sensibilidade moderna, a imitação (mimêsis, imitatio) possui uma conotação negativa, associada ao plágio de uma idéia, à reprodução passiva de algum modelo existente, em suma, imitar é entendido como o inverso de criar, de ser autêntico, singular, criativo. Tem-se, na nossa época, a crença de que a originalidade, apesar de depender de modelos, paira acima do status quo da época e se fixa na mente criativa do artista (ou do profissional – por exemplo, no mundo acadêmico).

Talvez essa conotação negativa reenvie, mesmo sem o saber, a Platão, para quem havia uma nítida demarcação entre ilusão e realidade – por exemplo: a forma natural da cama (como sendo a que Deus criou), a cama feita pelo marcineiro, e a cama pintada por um pintor. Para Platão, poetas não deveriam ter voz importante na pólis, uma vez que lidavam com a imitação (imperfeita) das formas ideais, sendo propagadores de idéias enganadoras. O mesmo talvez se pudesse dizer da retórica: a arte de “encantar” com as palavras.

Já para Aristóteles, a mimêsis, ou imitação, estava relacionada com a arte de imitar a natureza, não contendo, necessariamente, um componente de ilusão ou falsidade. Para Aristóteles, imitar significava fazer como (a natureza, por exemplo), e a cópia da realidade não lhe era algo servil, uma vez que o artista colocava algo dele, de sua intenção (voluntas), no ato de imitar. Portanto, imitar continha algo de artifício, não necessariamente no sentido de falsidade, mas no de intervenção do sujeito. O artista poderia, nesse sentido, imitar como as coisas foram ou são, como se diz que as coisas são ou foram, e como as coisas deveriam (ou poderiam) ser.

Apesar de nosso discurso aparentemente moderninho e “revolucionário”, somos grandes imitadores – tanto no sentido original de mimêsis, como, e infelizmente, no sentido de plágio. É notável que vivamos em uma época cujas pessoas (muitas, não todas, é verdade…) acreditam estar sendo absolutamente singulares e inovadoras. Fenômenos de massa (como os descreveu Le Bon, por exemplo) continuam a existir, só que não se aparentam como tal. No mundo universitário, imitamos uns aos outros muito mais do que gostaríamos de admitir. Imitamos trejeitos linguísticos, gêneros discursivos (uns são mais imperfeitos [ainda bem!] do que outros), até as piadas nós imitamos (dependendo da área). Não digo plágio, no sentido estrito, digo imitação – como uma atitude que depende de alguma forma de voluntas em relação a modelos que nos antecedem.

O trabalho é uma atividade na qual vemos a imitação em jogo. Quando imitamos alguém que sabe mais do que nós, estamos, de um modo ou de outro, aprendendo; quando mudamos o que aprendemos (por imitação), já estamos introduzindo um elemento de estilização, estamos nos colocando em posição diferente da submissão passiva a modelos recebidos. Claro que há plágio (repetição pura e simples, sem variação), mas quero acreditar que há mais imitação/representação. Apropriamo-nos de idéias, teorias, modelos; dependemos deles, às vezes em relação de inveja e competição, para avançarmos. Portanto, muito mais honesto conosco próprios é pensar que, sempre, estamos numa tensão entre submissão, imitação e criatividade – embora, para nosso desgosto moderno, esta criatividade seja bem mais modesta do que o idealizado.

História da ciência

No mundo acadêmico das Ciências Humanas, há certo torcer de nariz anti-realista, segundo o qual a história da ciência é uma narrativa de caçadores de fatos e do “real”. Critica-se tal empreitada como sendo realista demais, positivista demais (embora a maioria não saiba, de verdade, explicar, filosoficamente, em que consiste o positivismo…). Mas não há como negar que estamos onde estamos, com todas as mazelas e consequencias disso, graças, em parte, à ciência como um dos mais notáveis empreendimentos humanos.

Uma interessante série da BBC de Londres faz um resgate da história da ciência, notadamente a ciência “dura”, dedicada à descoberta dos “segredos da natureza” – quem somos, por que estamos aqui, de que somos feitos, para onde vamos.

Uma coisa me chamou a atenção: por que a religião, desde tempos imemoriais, é uma das mais “preferidas” formas de explicar tais questões? Sendo muito simplista, eu diria que a religião é uma forma fácil de explicar a vida; ela não depende de pesquisa, de audácia, de trabalho em conjunto com outras pessoas, de criatividade, inovação, curiosidade, sofrimento. A religião faz de nossa vida neste planeta uma história encantada, o produto de um “pensamento oceânico”, para dizer como Freud. Aliás, foi Freud, como também Marx, quem nos alertaram para as armadilhas do pensamento religioso.

Quem se dedica um pouco à compreensão da história da ciência descobrirá que há muito mais do que fé na compreensão dos mistérios deste universo e de nossa vida nele, embora haja, de fato, uma parcela de fé mesmo na ciência mais “radical”. De todo modo, recomendo a série cujo primeiro episódio sinalizo a seguir.

Bentha

Olha aí, minha cachorra indo para a Internet…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


You cannot copy content of this page