Resenha na RAE

Acaba de ser lançado o número 3 da RAE-Revista de Administração de Empresas, da FGV-SP. Nela, há uma resenha de um livro organizado por minha colega Lis A. Soboll e eu (Clínicas do trabalho). Reproduzo a referida resenha abaixo, para os interessados.

Reconhecimento no trabalho

Tornou-se uma “febre” na atualidade a idéia de que as pessoas se desmotivam quando não são reconhecidas no trabalho. Os manuais de gestão mais atualizados trazem diversos diagnósticos e prescrições para que os gestores saibam como reconhecer e retribuir a contribuição trazida pelas pessoas à organização do trabalho. E também para que saibam como e por que é importante “reconhecer as pessoas como pessoas”, ou seja, em parte independentemente do que estas aportam à organização.

Teorias sobre reconhecimento vêm sendo discutidas nas clínicas do trabalho desde, pelo menos, os anos de 1980. C. Dejours, o importante criador e disseminador da abordagem conhecida como psicodinâmica do trabalho, está entre os mais clássicos. Para Dejours, o reconhecimento é condição necessária para que o sofrimento, que é inerente à experiência de “fracasso” originária do confronto do sujeito com o real do trabalho, transforme-se em prazer. Além disso, é pela gramática do reconhecimento que as pessoas têm noção de sua utilidade para a organização e também de seu pertencimento a um coletivo de trabalho.

Uma coisa eu gostaria de destacar aqui em relação a este tema, inspirado justamente em Dejours. Até que ponto podemos confiar no reconhecimento dos usuários finais de nosso trabalho? Por exemplo, clientes, no caso de um atendente; alunos, no caso de um professor; pacientes, no caso do médico? Por mais que seja politicamente correto dizer que os clientes ou usuários têm algo de importante a dizer sobre o valor do que fazemos, fato é que este tipo de reconhecimento não é jamais suficiente para construir nossa identidade profissional. Por quê?

Porque os usuários/clientes nem sempre (se é que o fazem alguma vez, a sério mesmo) estão preocupados com o desenvolvimento do ofício ou do trabalho: seu objetivo é mirar na satisfação. E, quando julgamos as coisas pelo critério da satisfação, tudo fica relativamente subjetivo: se não gostarmos; se, como no caso da docência, o aluno não “se sentir motivado”, ou, no caso do cliente, se o “atendente não for simpático e me bajular”, eu o avalio mal, eu não o reconheço. Tanto isso é verdade que, em geral, índices de satisfação oscilam de modo bastante expressivo dependendo do que se introduz na relação de serviço em questão (exemplo: professores cobrando mais numa prova, por exemplo).

Só quem fica no trabalho durante algum tempo, ou seja, só o trabalhador e seus pares, que vivenciam, na pele, cada envergadura do real de trabalho, é quem pode, legitimanente, completar o círculo do reconhecimento. Assim como os superiores, os encarregados, os gestores desses trabalhadores. Pacientes curam-se e vão embora; clientes vêm e vão da loja ou do serviço; alunos vêm e vão. Mas nem sempre estamos preparados, como trabalhadores, para avaliar justa e visceralmente o trabalho que realizamos. Fraquejamos, somos inseguros.

Yves Clot, por exemplo, outro pesquisador importante do campo das clínicas do trabalho, vai ainda mais além: para ele, sequer o reconhecimento pelos pares (interpessoal) é suficiente: é preciso reconhecer-se pelo trabalho bem feito, no âmbito do próprio ofício. Inspirado em Bakhtin, Clot observa que, ao trabalhar, precisamos ter um “destinatário de confiança” ao qual endereçar nossa atividade. Para ele, tal destinatário é justamente o ofício, nosso compromisso transpessoal com a transmissão, o avanço e a existência de uma memória coletiva de gente que vê a sério o objetivo de transformar o real.

O essencial de Franz Kafka

A editora Companhia das Letras acaba de lançar mais um número em sua coleção de parceria com a Penguin Books. Desta vez, o autor é Kafka, numa excelente compilação de textos – de clássicos, como A Metamorfose, como menos conhecidos do público brasileiro (suponho eu), tais como os Aforismos.

Trata-se, quase desnecessário dizer, de importância iniciativa, pois, além da reunião de textos fundamentais, cada um deles é precedido de uma criteriosa análise e contextualização por Modesto Carone, que de quebra é o tradutor.

Gostaria de destacar um trecho que figura na contra-capa do livro:

Não é necessário que você saia de casa. Fique junto à sua mesa e escute. Nem mesmo escute, só espere. Nem mesmo espere, totalmente em silêncio e sozinho. O mundo irá oferecer-se a você para o próprio desmascaramento, não pode fazer outra coisa, extasiado ele irá contorcer-se a seus pés

Visão grega, certamente; contemplar o mundo de onde se está, esperando seu desvelamento quase óbvio diante de nós. Essa imagem do mundo se “contorcendo” a nossos pés é simplesmente brilhante. Basta ter sensibilidade para ver, não? Isso me traz uma lembrança aparentemente desconexa, mas, dando o braço a torcer a Freud, trata-se de uma espécie de “chiste”: jamais estamos tão imersos no outro quando no momento em que somos nós próprios!

 

Universidades brasileiras: documentário

O Jornal da Globo realizou um documentário, dividido em três partes, sobre a situação das universidades brasileiras diante da crescente demanda (e acesso) ao ensino superior no país.

O primeiro episódio pode ser conferido aqui.

O segundo, aqui.

E o terceiro, aqui.

Vale a pena assistir, especialmente porque ali se discute, entre muitas coisas, o abandono que ainda pode ser observado das Universidades públicas.

Começando a semana com música (antiga…)!

Lars Von Trier

O diretor Lars Von Trier, que causou polêmica esta semana em Cannes por insinuar “simpatia” por Hitler, está lançando seu novo filme, Melancolia. Aqui vai o trailer, ficando eu na expectativa do lançamento (previsto para agosto no Brasil).

 

Debate epistemológico no campo da Psicologia do Trabalho

Acaba de sair artigo, publicado por mim e pelos professores Jairo Eduardo Borges-Andrade (UnB) e Sigmar Malvezzi (USP), discutindo as questões paradigmáticas e os eixos temáticos presentes no campo da Psicologia do Trabalho e das organizações no Brasil. O referido artigo pode ser acessado no link abaixo (o qual é seguido do resumo).

Paradigmas, eixos temáticos e tensões da PTO no Brasil

O panorama de abordagens da psicologia do trabalho e das organizações (PTO) no Brasil mostra grande diversidade teórica e metodológica que reflete a presença de distintos paradigmas científicos na delimitação e organização desse campo. O objetivo deste artigo é analisar esses paradigmas e relacioná-los com três eixos temáticos da PTO no Brasil: o do comportamento, o da subjetividade e o clínico. Investiga-se os fundamentos epistemológicos e metodológicos, alguns trabalhos e autores de cada um desses eixos, discutindo sua contribuição para o campo da PTO no Brasil. O artigo desenvolve uma discussão sobre as tensões existentes entre esses eixos, derivadas da pressão de corresponderem, ao mesmo tempo, a critérios de rigor acadêmico e relevância organizacional. O artigo, por fim, mostra a diversificação do campo da PTO no Brasil e os desafios disso decorrentes.

 

 

Meu retrato… feito por meu aluno de IC Joatã…

Bullyng acadêmico

Não conheço nada a fundo sobre bullyng, mas tenho a impressão de que poderia usar essa categoria para falar da situação, já por demais debatida, da “luta por publicação” em que vivemos hoje no país. Poderia, talvez até ingenuamente, dizer que um pesquisador/professor que não publica “oceanicamente” (ou seja, em grande quantidade) é uma presa certeira de bullyng. Colegas mais produtivos poderiam, mesmo que não seja politicamente correto, olhar de canto de olho, com certa hipocrisia, sobre a má sorte ou a má vontade de quem está na lanterninha da produção acadêmica.

Ora, o bullyng, ao colocar no centro a relação entre uma maioria e uma minoria psicológicas, realça uma dimensão importante da própria existência social humana: a dificuldade de lidarmos com o desviante. Em termos sociológicos, o desviante é sempre uma matéria relativa, dependente dos padrões instituídos por um grupo (maioria psicológica). Há espécie de anomia, no sentido inverso ao dado a este termo por Durkheim, quando as regras dominantes de um grupo não são respeitadas e seguidas (para o sociólogo francês, a anomia é quando as regras sociais não conseguem regular os comportamentos individuais).

Talvez o bullyng sempre tenha existido. Ele existe sempre que há desvio em relação à tendência central, mesmo que, e isso é importante, tal centralidade diga respeito a uma minoria quantitativa de pessoas (acho genial a idéia de minoria e maioria psicológicas, no sentido dado por Kurt Lewin na psicologia social). No caso da produtividade acadêmica, é estampado para quem quer ver o quanto há um clima de pressão velada para classificar, sem grandes dores de cabeça moral, quem produz muito de quem não produz (nada ou pouco).

Nesse contexto, é interessante um exercício mental fictício: imagine que o pesquisador X deixe de existir (todos somos humanos, certo?); por quanto tempo ele será lembrado? Claro que isso é muito relativo, mas, a julgar por regras atualmente em uso em certas disciplinas (como é o caso da psicologia, por exemplo), de que boa parte de sua lista de referências bibliográficas não deve ser mais velha do que 5 anos, talvez o nome do pesquisador X seja lembrado por 5 ou 10 anos. Creio que foi o imperador Marco Aurélio (foto acima), do imponente Império Romano, quem certa vez disse: Logo, esquecerás tudo: logo, todos te esquecerão.

Significado do trabalho nas indústrias criativas

Acabo de disponibilizar artigo escrito por mim e pelo prof. Jairo Eduardo Borges-Andrade e publicado no último número da RAE-Revista de Administração de Empresas, da FGV-SP, sobre significado do trabalho nas indústrias criativas. Ele pode ser acessado na seção textos de minha homepage. A seguir, você pode ler o respectivo resumo.

Significado do trabalho nas indústrias criativas
Estudos sobre o trabalhador nas indústrias criativas ainda são escassos na literatura científica da administração. Esta pesquisa buscou contribuir para a superação dessa lacuna ao estudar o significado de trabalho para profissionais que atuam nessas indústrias. Traduzimos e adaptamos um instrumento canadense de mensuração desse constructo, o qual foi aplicado a 451 indivíduos de diversas indústrias criativas no Estado de São Paulo. Os dados foram analisados estatisticamente por meio de técnicas psicométricas e de comparação e associação entre médias. Os resultados mostram que os fatores mais associados a um trabalho que tenha significado para esses indivíduos são: a possibilidade de aprender e se desenvolver pelo trabalho, sua utilidade social, a oportunidade de identificação e de expressão por meio dele, autonomia, boas relações interpessoais e respeito às questões éticas. O artigo conclui com algumas implicações desses resultados para a literatura sobre indústrias criativas e significado do trabalho.


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