Animais [por Voltaire]

Que néscio é afirmar que os animais são máquinas privadas do conhecimento e de sentidos, agindo sempre de igual modo, e que não aprendem nada, não se aperfeiçoam, etc.!

Pode lá ser… Então esse pardalzinho que constrói o ninho em semicírculo quando o prende a uma parede, que o constrói num quarto de círculo quando o faz num ângulo e em um círculo num ramo de árvore – faz tudo de igual modo? O cão que ensinaste a obedecer-te durante três meses não estará a saber mais ao cabo desse período do que sabia no início das lições? O canário a quem tentas ensinar uma melodia repete-a logo no mesmo instante, ou não, levarás um certo tempo a fazer-lha decorar? E não reparaste como se engana, com frequência, e vai corrigindo depois?
É só por eu ser dotado de fala que julgas que tenho sentimentos, memória, ideias? Pois bem, não te direi nada; mas vês-me entrar em casa com um ar preocupado, aflito, andar a procurar um papel qualquer com nervosismo, abrir a secretária onde me recorda tê-lo guardado, encontrá-lo afinal, lê-lo jubilosamente. Calculas que passei de um sentimento de aflição para outro de prazer, que sou possuidor de memória e conhecimento.
Transfere agora teu raciocínio, por comparação, para aquele cão que se perdeu do dono, que o procura por todos os lados soltando latidos dolorosos, que entra em casa, agitado, inquieto, que sobe e que desce, percorre as casas, umas após outros, até que acaba, finalmente, por encontrar o dono de que tanto gosta no gabinete dele e ali lhe manifesta a sua alegria pela ternura dos latidos, em pródigas carícias.
Algumas criaturas bárbaras, agarram nesse cão, que excede o homem em sentimentos de amizade; pregam-no numa mesa, dissecam-no vivo ainda, para te mostrarem as veias mesentéricas. Encontras neles todos os órgãos das sensações que também existem em ti. Atreve-te agora a argumentar, se és capaz, que a natureza colocou todos estes instrumentos do sentimento no animal, para que ele não possa sentir? Dispõe de nervos para manter-se impassível? Que nem te ocorra tão impertinente contradição da natureza.
Mas os mestres-escola perguntam o que é e onde está a alma dos animais? Não entendo tal pergunta. Uma árvore tem a faculdade de receber nas suas fibras a seiva que nelas circula, de desabrochar os botões e criar seus frutos; e ainda me haveis de perguntar o que é a alma dessa árvore? Esta beneficiou de alguns dons, como o animal beneficiou doutros, dons do sentimento, da memória, de um certo número de ideias. Quem criou todos estes dons? Quem lhes concedeu todas essas faculdades? Aquele que faz crescer a erva nos campos e gravitar a Terra à roda do Sol.
As almas dos animais são formas substanciais, afirmou Aristóteles; e, depois de Aristóteles a escola árabe; e, depois da escola árabe, a escola angélica; e, depois da escola angélica, a Sorbonne; e, depois da Sorbonne, mais ninguém no mundo.

As almas dos animais são materiais, proclamam outros filósofos. Mas também não tem tido mais sucesso que os primeiros. Foi sempre em vão que se lhes perguntou o que é uma alma material; viram-se forçados a convir que é matéria passível de sensações: mas quem foi que lha deu? É uma alma material, isto é, trata-se de matéria que dá sensações à matéria; e não saem deste círculo vicioso.

Escutai agora outros animais discutindo acerca de animais; a alma destes é um ser espiritual que morre com o corpo: mas que provas tendes disto? Que ideia fazeis desse ser espiritual que, com efeito, experimenta sentimentos e sensações, memória, e a sua dose de ideias e de combinações de ideias, mas que nunca poderá vir a saber o que é uma criança de seis anos? Em que base imaginais que esse ser, que não tem corpo, pareça com o corpo? Mas, de todos, os maiores animais ainda foram aqueles que afirmaram que a tal alma não é corpo nem espírito. Que rico sistema! Só podemos encarar como espírito algo de desconhecido que não é o corpo; logo o sistema destes cavalheiros vem a dar nisto: a alma dos animais é uma substância que não é corpo nem outra coisa qualquer que seja menos ainda que um corpo.
Qual a origem de tantos e tão contraditórios despautérios? Do hábito que os homens sempre tiveram de examinar e definir o que é uma coisa, antes de saberem se ela existe. Costuma chamar-se à lingueta, que é a válvula dum fole, a alma do fole. Que alma vem a ser esta? Apenas um nome que dei a essa válvula, que desce, sobre, deixa entrar o ar e impele-o para um canudo, quando aperto o fole. Ali não há, pois, alma nenhuma distinta do instrumento. Mas quem faz mover a válvula dos animais? Já vo-lo disse, aquele que faz mover os astros. O filósofo que afirmou Deus est anima brutorum (2) tinha razão; mas não devia ter ficado por aí.

Autor: Voltaire.

Libertação animal

Esta semana estive em SP e, numa passagem pela Livraria Cultura, notei a presença de um livro que havia lido anos atrás, Libertação animal, do Peter Singer. Esse livro havia sido lançado em língua portuguesa pela editora Lugano, do sul. Ficou anos esgotado (eu mesmo consegui meu exemplar na Estante virtual). Agora é (re)lançado pela Martins Fontes.

Escrito por Peter Singer nos anos de 1970, tornou-se uma espécie de manual de referência para os defensores dos direitos dos animais. Seu autor é conhecido entre nós por outro livro, este de cunho eminentemente filosófico, Ética prática (creio que também lançado pela Martins Fontes). No Libertação animal, uma das teses centrais é de que devemos considerar os animais como igualmente merecedores de tratamento ético. O fundamento dessa ética é, se posso dizer assim, um valor hedonista (claro, não em sentido “sensual”): não se deve fazer sofrer, gratuitamente, quem pode sentir dor.

Os animais podem sentir dor. E eles a sentem graças às diversas formas com que são utilizados pela espécie humana: na alimentação, no vestuário, no entretenimento, nas experiências científicas, na indústria da pele, e em muitas outras. P. Singer explora esses usos “instrumentais” dos animais, questionando-o do ponto de vista da ética que defende.

Esse assunto pode ser estranho a muita gente. Ou então pode ser foco de ridicularização ou mal-entendidos. Contudo, os argumentos são terrivel e surpreendentemente (para mim, ao menos) persuasivos e convincentes. Mas, desde quando li esse livro (bem como outro, Jaulas abertas – outro “clássico” no ramo), senti uma profunda cisão entre saber/fazer. Pois, se de um lado, você fica inquestionavelmente impactado pela leitura (assista ao documentário Terráqueos, para entender), de outro há um sério risco de se ficar numa espécie de voyeurismo de inação, afinal, continuamos a consumir carne e a nos beneficiar, indiretamente, dos animais (até no sabonete que usamos para o banho). Há, também, gente que ache o assunto coisa de “naturalista hippie“.

Seja como for, eu acho mais do que bem-recebida a republicação deste intrigante e desconfortante (melhor definição que consigo encontrar para ele) livro.

Indústrias criativas – novidades

A Folha de S. Paulo publicou ontem matéria especial sobre as indústrias criativas. Trata-se de um setor que, há vinte anos, tem reaquecido o debate em políticas públicas e economia cultural ao redor do mundo.

Aproveitando o ensejo, acabo de atualizar minha homepage, onde inseri dois relatórios que produzi sobre Indústrias criativas (características organizacionais e da indústria), significado do trabalho, identidade profissional e carreira para profissionais criativos. Pesquiso com este tema há pouco mais de 4 anos, de modo que já tenho algo que divulgar.

Os relatórios, subsidiados pelo GVPesquisa, da FGV-SP, podem ser acessados a seguir.

Estudo exploratório sobre indústrias criativas no Brasil e no Estado de São Paulo

Análise do mercado de trabalho e carreira nas indústrias criativas do Estado de São Paulo

Show de horrores

Já faz muito tempo que organizações não-governamentais denunciam a brutalidade com que os animais são tratados pelo ser humano. Um amigo meu, inclusive, costumava dizer que, se conseguíssemos mudar nossa forma de tratar os animais, conseguiríamos mudar até mesmo parte dos nossos relacionamentos com nossos membros de espécie (por exemplo, por que alguém chama outra pessoa de “aquele porco!”, ou “aquela vaca!” – sendo este último algo muito depreciativo).

Na quase infinita série de exemplos de brutalidade contra os animais, destaco a que vi hoje. Uma cadela, no RS, foi mutilada viva num ritual de magia negra.

Ok, como seres humanos, temos “mais com que nos preocuparmos” do que com isso. Veja-se os maus-tratos contra as mulheres, as crianças, os abandonados. Sim, com certeza temos muito a nos envergonhar nesse campo da moral. Porém, menos evidentes são os maus-tratos contra os animais, pois eles, como poderia nos dizer Heidegger, já passaram para o lado das “coisas”, sendo tratados como tais.

Acho que podemos ponderar sobre o caráter de uma pessoa dependendo de como ela trata os animais. Para mim, quanto mais brutal uma sociedade, mais brutais serão os tratamentos dispensados aos animais. Não tenho estatísticas, mas penso que a sociedade brasileira não é a das melhores nesta matéria.

Mas, dentre toda estupidez, esta de sacrificar animais é das piores. Parece que não tem fim a ignorância humana. Não tem fim essa falta de juízo ético, ou então essa tendência a “ser ético” (mentira…mas pelo menos as pessoas se enganam bem com isto!) apenas com o pequeno círculo de amigos e “camaradas” (óbvio: da mesma espécie!).

Obs.: a foto acima, Companheiros, faz parte da galeria ToucanArt.

Métodos qualitativos – kit básico

Para quem trabalha com métodos qualitativos, aqui vai uma valiosa lista de referência. Muito mais pode ser encontrado em um site fantástico dedicado a tais métodos.

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Qualitative analysis

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Starting points

Comendo e pensando

Acredito que tenha sido Schopenhauer quem, em certa feita, tenha dito que o ser humano é, ponto-a-ponto, semelhante a um animal (acho que ele mencionava a semelhança com a aranha): pesadamente preso à sua rotina e dominado pela “vontade” (no caso do ser humano, uma espécie de “disfarce” da natureza em imagens e desejos mentais).

Olhem este Koala (“nova sensação” de cliques no Youtube): comendo uma maça, “pensando” na vida. Nossa primeira tendência é “humanizar” a situação, atribuindo-lhe algum significado (ele come e “pensa”, medita…por exemplo: sobre a dificuldade da população koala em viver junto às grandes cidades, ou sobre a situação precária em que ele próprio se localiza – a julgar pelo lugar “improvisado” em que está…).

Poderíamos trocar a situação e colocar um humano em seu lugar: com uma garrafa de cerveja na mão, ficaria com o olhar perdido no ali e no aqui, sob sol forte e calor, refletindo sobre as escolhas não feitas, ou sobre a impertinência atual de escolhas feitas no passado (muitas destas escolhas, inclusive, sem qualquer ponderação à época, simplesmente tomadas no fluxo dos acontecimentos de então).

É “lógico” que essa descrição do Koala é antropomorfista. O animal simplesmente come. Ele está preso ao momento presente. Está preso à maça que agora come, sem, penso eu, qualquer indício antecipado e reflexivo de que logo virá outra maça, ou então de que continuará na luta selvagem (se bem que hoje nem tanto, considerando nossa “invasão” da natureza, com sua consequente humanização…) pela sobrevivência.

É isso que às vezes muita gente confunde: trata o simples movimentar do corpo (seja de um animal-koala ou um animal-humano) como uma ação intencional. Além das explicações dos etólogos, biólogos e Cia, o que nos diferencia dos animais é o fato de nossas ações serem intencionais e executadas no enquadre de razões e esquemas intelegíveis. Mas é verdade que, mesmo sendo um ser humano, suas ações podem estar destituídas de qualquer significado.

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Complemento extemporâneo:

Se pensarmos em muitos manuais de Comportamento Organizacional, logo notaremos a semelhança de raciocínio: se alguém, no trabalho, está com baixo rendimento ou cabisbaixo, logo se lhe atribuem desmotivação, insatisfação e outros gêneros subjetivos. É patética nossa necessidade de tentar interpretar situações que, às vezes, são absolutamente desprovidas de qualquer signficado, exceto, neste caso, que precisamos muitas vezes trabalhar sem qualquer outro “significado” que não o dinheiro (= a maça) no final do mês. É muito romantismo e prepotência achar que somos “radicalmente diferentes” ou “absurdamente iguais” a esse singelo Koala.

Desativando as humanas?

“Você foi desativado!”

Precarização dos professores e declínio das humanidades na universidade

Poderíamos pensar que esta fórmula era uma invenção de George Orwell… Engano: ela é, na sua brutalidade lacônica, a mensagem em “nova língua” administrativa que os sete professores do Departamento de francês da Universidade do Estado de Nova York (SUNY) em Albany acabaram de receber da Presidência de seu estabelecimento. Cada um deles possuía, no entanto, o que se chama nos Estados Unidos de “tenure”: eles pensavam ser beneficiários de uma segurança absoluta no emprego. Aos mais velhos, aconselhou-se uma aposentadoria antecipada; aos mais jovens, “de perseguir sua carreira em outro lugar”. Aos primeiros como aos segundos, nenhum erro profissional lhes foi advertido: eles foram tratados como engrenagens de uma máquina que, deixando de ser rentável, é simplesmente desligada. Não há “desativação” sem desumanização prévia. Estamos mais uma vez no horizonte antecipado por Orwell.

O que acaba de se produzir em Albany, para além das conseqüências humanas em relação às quais é impossível ficar insensível, revela tendências gerais extremamente preocupantes que hoje afetam em profundidade o ensino superior nos Estados Unidos. Com respeito a isso, existem na França tenazes ilusões de ótica: vislumbra-se apenas a vitrine superexposta dos estabelecimentos de excelência de Shanghaï, enquanto ignora-se a face mais obscura de uma multitude de universidades anônimas que se ocupam entretanto da grande maioria da população de estudantes.

Este setor é hoje gravemente ameaçado por uma reestruturação econômica e intelectual brutal: as “desativações” praticadas à SUNY testemunham a severidade dos cortes orçamentários que liquidam os domínios considerados menos rentáveis (os programas de francês, de italiano, de russo, de teatro e letras clássicas foram simultaneamente riscados do mapa), enquanto o emprego se precariza massivamente. Não há mais do que 35% de professores titulares ou em vias de se tornar titulares nas universidades norte-americanas, no mesmo passo em que se desenvolve um corpo de professores auxiliares (adjuncts), precários e nômades, cuja existência de desenrola sob as rodovias que os conduzem de uma universidade à outra, e de uma sala de aula à outra. Segundo dados apresentados por Mark Bousquet (2008) e Frank Donoghue (2008), a porcentagem de auxiliares passou, para o conjunto da universidade americana, de 40 a 65% nos últimos 30 anos. É dessa maneira que é preciso entender o sentido literal do conselho dispensado pela direção de SUNY Albany: “vá perseguir sua carreira em outro lugar”, em outras palavras, atrás de um volante.

A universidade, nos Estados Unidos, foi remodelada logo após a Segunda Guerra Mundial segundo as normas da empresa americana (Lindsay Waters, 2009), conservando ainda assim duas “anomalias” históricas, estranhas à cultura de empresa, e herdadas da tradição universitária européia: a segurança no emprego (a tenure) e um setor importante de atividades intelectuais não diretamente orientadas para o lucro (as humanidades). Estas duas “anomalias” estão em vias de ser “retificadas” sob os nossos olhos. A segurança no emprego está lentamente, mais inequivocamente, desaparecendo da universidade americana, e, junto com ela, a erosão generalizada das proteções individuais que exige hoje o neoliberalismo. Quanto às humanidades, a brutalidade das medidas adotadas pela Presidência de SUNY Albany tem, paradoxalmente, um grande mérito: aquele de ter demonstrado o que poderá se tornar uma realidade banal para as universidades, no âmbito das quais, um belo dia, as humanidades deixarão de serem ensinadas. E onde, junto com elas, as ficções imaginadas por Orwell cairão no esquecimento…

Autores:
Jean-Jacques Courtine
Professor à l’Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III)
Professor Emeritus, University of California at Santa Barbara

Claudine Haroche
Directeur de recherches au CNRS

Tradução:
Mariana Côrtes
Doutoranda à Universidade Estadual de Campinas

Bibliografia:
Mark Bousquet, How the University Works. Higher Education & the Low-Wage Nation, New York, NYU Press, 2008.
Frank Donoghue, The Last Professeurs. The Corporate University & the Fate of the Humanities, New York, Fordham University Press, 2008.
Lindsay Waters, L’Eclipse du savoir, Paris, Allia, 2009.

Via Psicossocial [blog]

Teoria e prática: a visão dos estudos organizacionais

Reproduzo aqui parte de uma curiosa mesa redonda, coordenada pelo prof. Clóvis Machado (falecido ano passado), em que ele, Carlos Bertero, Miguel Caldas (o trecho de quem reproduzo a seguir) e outros discutem a relação entre teoria e prática no âmbito dos Estudos organizacionais. Creio que é uma discussão muito pertinente para outros campos, especialmente aplicados, como é o caso da Psicologia das Organizações e do Trabalho.

O evento teve lugar no encontro de 2008 da ANPAD.


Painel Teoria e Pratica nos estudos organizacionais parte 3
Enviado por admeorg. – Análises sobre tecnologia e novos vídeos sobre ciência

Pedagogia inversa

O que um pupilo do Instituto Benjamenta é sei eu bem, é óbvio. Um bom e redondo zero à esquerda, nada mais. Robert Walser

Walser foi, como se diz por aí, um grande influenciador de Kafka, Musil e Walter Benjamin. Nasceu na Suíça e morreu, demente, em um manicômio. Sua morte ocorreu precisamente no natal de 1956, durante uma de suas caminhadas solitárias.

Em um de seus livros, que leio no instante, Jakob Von Gunten, vemos uma espécie de “pedagogia reversa” em ação. O personagem, Von Gunten, é um jovem que escreve um diário relatando suas experiências no Instituto Benjamenta, uma espécie de escola dos fracassados, onde a formação visava incutir “paciência e obediência, duas qualidades que pouco ou nenhum proveito prometem”. Não há professores – quer dizer, os que havia, se foram! A única lição passada, repassada e repisada era a própria norma de funcionamento do tal Instituto. Os alunos do Instituto Bejamenta, “umas coisas muito pequenas e subalternas”… nunca seriam nada na vida.

O livro foi escrito em 1909, terceiro romance de Walser e, segundo se informa, seu preferido.

Não sei há paralelos, mas tome-se, por exemplo, o livro Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe. Acompanhamos ali o tortuoso processo de crescimento e de formação moral, psicológica e social do jovem Wilhelm. Numa trilha romântica, ele “se torna alguém” à medida que vai “se descobrindo”. No romance de Walser, não; aqui, Von Gunten e seus colegas não vão se tornar ninguém.

Tornar-se alguém: essa é a grande injunção da modernidade iluminista. Mantra poderoso e indiscutível de qualquer sistema pedagógico, do tradicional ao construtivista, e além. Nenhuma escola, pública ou privada, pode se furtar à missão de transformar seus pupilos em “alguém”, em um “indivíduo”. As privadas, porém, a duras penas tentam dissimular sobre a brutal contradição que espera seus pupilos no futuro mercado “altamente competitivo”. Mercado, cuja lógica permanecerá sendo desemprego em alta, exigências de formação… também em alta, sempre! Paradoxo torpe.

Walzer parece uma pequena e ardente voz em sentido contrário ao mantra do “tornar-se alguém”.

América profunda

Assisti ao filme “Inverno da alma”, com a belíssima atuação de Jennifer Lawrence, que faz o papel de uma adolescente de 17 anos que, devido ao abandono do pai (preso por envolvimento com drogas), tem de cuidar de dois irmãos menores e da mãe demente. Para piorar, Ree (a personagem de Lawrence) recebe a notícia de que ela e sua família teriam de deixar a casa em que viviam, pois o pai a havia alienado em garantia de dívida. A partir disto, ela se coloca imediatamente a buscar os rastros do pai, até que descobre uma “verdade submersa” sobre ele, digamos assim.

Trata-se de uma América profunda. Não daquela “high tech”, vendida frequentemente nos filmes vindos dos EEUU. A trama é ambientada em uma região pobre e, muito certamente, esquecida do país. Não há referência temporal nem social, de modo que a única coisa a que temos acesso são pessoas lutando pela sobrevivência (por exemplo, Ree e seus irmãos caçando esquilos para poder comer), incluindo o tráfico de drogas.

Chamou-me a atenção o respeito de Ree e de seus irmãos pelos animais. O filme é repleto deles: cavalos, cachorros, gatos… Em dado momento, Ree ao que parece sonha com a destruição da pouca dezena de árvores já antigas que tinham aos redores de sua casa. No mesmo sonho, esquilos são mostrados fugindo, desorientados com a destruição e queima das árvores. Talvez um “paralelo” com o abandono dela própria.

Outra coisa que chama a atenção é a presença igualmente forte de mulheres. Em diversos momentos, pareciam ser elas as verdadeiras “agências” da ação, ou seja, quem faziam as coisas acontecerem (veja-se que o pai de Ree foge de casa, não consegue “sustentar” o lugar de “pai” e marido). As mulheres ficam.

Não há lugar para riso no filme, apesar de haver uma certa “sensibilidade” implícita, mesmo nos personagens mais violentos. Por fim, fica uma reflexão no ar sobre o que é ser adulto. Só como provocação, adolescentes hoje em dia, aos seus 17 anos, não fazem muito mais do que frequentar shoppings e se achocoalharem nas melodramáticas descobertas amorosas. Lógico que, para tornar-se adulto, não é preciso passar por situações-limites, ou por “queimas de etapa” no ciclo normal (=classe média) do desenvolvimento.

Provavelmente, não precisamos ir muito longe. Aqui mesmo, no grande Brasil, muitas adolescentes devem ser iguais à Ree, construindo alguma base ética em meio a existências materiais bem cinzas.


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