Sincronia – I’ll be missing you

Since you’ve gone, I’ve been lost without a trace
I dream at night I can only see your face
I look around, but it’s you I can’t replace
I feel so cold and I long for your embrace
I keep crying, baby, baby, please

Trabalho e sentido

Há algum tempo um sentimento me percorre as veias. No início, achei que era mais uma das velhas e boas ‘projeções’ de coisas minhas ao meu redor. Algo comum, acho que todos o fazemos. Agora, porém, estou pensando diferente.

Cena 1: estava, dia desses, passando com o carro em uma avenida. O sinal fechou. Logo na esquina, havia um posto de gasolina. Então, vi vários ‘frentistas’ sentados, esperando algum carro chegar. A questão que me veio à cabeça: qual a diferença disso para uma prisão? Ficar sentado o dia todo, esperando, atendendo alguns clientes, sentando de novo, puxando alguma conversa com o colega, e sentar de novo e, talvez a essa altura sem perceber mais, acomodando os sentidos contra o pano de fundo de um barulho infernal das avenidas que cortam o tal posto?

Cena 2: ontem fui a um local comprar alguns produtos. O funcionário, visivelmente cansado, como já me conhece, puxou um rápido assunto: Está com pressa hoje, ele diz; Sim, confirmo. Eu estou aqui desde às 8h da manhã, não vejo a hora de ir embora, diz ele. Desta vez, porém, não me veio a imagem da prisão, mas, bizarramente, ou narcisicamente, pensei: eu não suportaria viver assim. De fato, pensei: o que seria da minha ‘saúde mental’, para usar um termo tão importante para psicólogos, se minha rotina cotidiana se resumisse a ficar atrás de um balcão atendendo, das 8h às 18h, incontáveis fregueses, fazendo praticamente as mesmas coisas? Embora não tenha me ocorrido, na pele, a ideia de prisão, agora, ao escrever, é disso que no fundo se trata, metaforicamente, de algum modo.

Corte.

Dia destes assisi o filme alemão Werk Ohne Autor. Consiste num belíssimo trabalho, de mais de 3h de duração, ambientado no antes e após a Segunda Guerra mundial, particularmente nas tensões entre a Alemanha ocidental e a oriental (após a guerra). O fio narrativo pelo qual os dois lados do muro eram escrutinados é a vida de um artista em ascensão. O filme começa em uma galeria, com o guia criticando os quadros que expunha: todos de Arte Moderna. Na alemanha comunista, a única arte ‘verdadeira’ era aquela capaz de exaltar o coletivo, o trabalhador genérico, a pátria. A Arte Moderna seria produto ‘capitalista’, uma aberração do Eu. Sem revelar os detalhes do filme, ocorre que, em um segundo momento, há uma inversão: a arte valorizada passa a ser a arte do Eu (com a fuga do artista para a Alemanha Ocidental), ou a Arte Contemporânea, quando, por exemplo, uma exposição com batatas torna-se digna de ser chamada ‘arte’, etc. Mas o que quero destacar é: de um lado, a crítica ao eu, e a ideia de uma arte cuja finalidade social seria, basicamente, enaltecer o trabalhador, essa figura representativa do coletivo; de outro, a arte ligada ao Eu, ao individualismo, à potência criativa de uma mente, de um gênio ‘empreendedor’, embora também pudesse estar voltada para questões concretas e coletivas.

O que isso tem a ver com os dois parágrafos anteriores? Fique pensando: no comunismo, ou pelo menos nesse recorte específico da ‘arte no comunismo’, o propósito parecia claro: dar ao trabalhador, pela via da arte (na qual ele era o personagem central), um senso de propósito, uma estética laboral, um sentido do porquê de ele, não raras vezes, dar sua vida pelo Estado, via trabalho (veja a narrativa belíssima contida na série Chernobil a esse propósito!). Na sociedade contemporânea, “Ocidental”, capitalista, o que a arte diz para o trabalhador do posto de gasolina ou do empório que descrevi a pouco? Absolutamente nada. Então, a questão central: o que motiva, se é que existe algo que o faça, o indivíduo a se ‘sujeitar’ àquelas condições?

Nossa realidade brasileira, particularmente daqui onde escrevo e vivo, é tão surreal que a questão talvez nem faça sentido.

Corte.

Li hoje uma matéria do New York Magazine sobre a empresa WeWork, fundada por um rapaz chamado Adam Neumann. Trata-se de uma empresa cujo negócio é prover espaços ‘inteligentes’ de trabalho para ‘empreendedores’. A ‘filosofia’ da empresa, instilada por seu fundador, é de que, por meio de suas novas ideias, ela vai ‘mudar o mundo’ (sic). Pelo discurso, trabalhar em tal empresa não é meramente um ‘emprego’ (como é o caso de 99% das pessoas da cidade onde moro no momento, arrisco dizer), mas uma ‘missão’, algo para gente realmente visionária e empreendedora, que sai à luta par ganhar seu espaço ao sol (um mantra de Neumann é: Só vale o que você sai para caçar!). Não oferecem meramente salas para sublocação com alguns serviços inclusos (esse é, de fato, o business da empresa); oferecem uma ‘nova visão de sociedade’, um novo ‘sentido de trabalho’, uma nova filosofia de conquista. Não se trata, obviamente, de uma ‘arte’, mas é como se correspondesse a seu objetivo, oferecendo ao trabalhador uma narrativa pela qual ele acorda de manhã e passa não menos do que 14 horas no trabalho.

Então, chego ao ponto nevrálgico: o que sustenta a motivação de uma pessoa no trabalho? Não quero cometer injustiças aqui, mas uma resposta muito comum dada a esta questão é brutalmente simplista. As pessoas trabalham, no nivel micro, para se desenvolver; essa seria a visão mais ‘burguesa’, por assim dizer (pois, de fato, não me parece que os frentistas do meu posto, ou o atendente do meu empório estavam ‘se desenvolvendo’ em nenhum aspecto, pelo contrário: estavam com o semblante do presidiário). Outra é de que precisam sobreviver. Esta é a resposta do ‘analista crítico’ de plantão. Óbvio que a grande maioria trabalha porque basicamente tem um corpo; sim, um corpo: tem necessidades, e também tem outros corpos para alimentar. E não tem nada mais a fazer senão ‘vender’ sua (brutalmente substituível) força de trabalho. Poderia emendar, usando uma bela metáfora de Agambem: eles têm um ‘corpo nu’, e nada mais.

Em não havendo a ‘revolução’; em não havendo, seja uma arte comunista (veja o filme) que pavimente um caminho (uma ‘boa ideologia’) para justificar o tempo perdido pelas pessoas em trabalhos massacrantes, nem uma narrativa empreendedora de empresa ‘new age’ como a WeWork (afinal, ela não é brasileira e, mesmo que fosse, não seria para todo mundo), o que resta? Criar pequenos projetos, quase de sobrevivência mental, do tipo “Trabalho para sustentar minha família”? Ou algo surreal e absurdo do tipo: “Trabalho neste posto de gasolina, como frentista, para contribuir com o desenvolvimento do Brasil, na medida em que ajudo pessoas a se manterem em movimento com seus carros?”. E se chegássemos à conclusão de que, por mais que preferíssemos o contrário, não haverá nenhum sentido, e o tempo para essas pessoas vai passar e escorrer, vão perder sua saúde nesses trabalhos, e o máximo que conseguirão é manter seus corpos, e de seus agregados, minimamente ‘vivos’? Em se admitindo isso, e não pretendendo ficar num cinismo realista, como pensar a relação trabalho e significado? Que ‘significado’ haveria de ser esse que não consegue ir além do corpo, ou, quando muito, de alguma narrativa ‘hight tech’ cujo propósito, antes de criar algo para a sociedade, é o de enriquecer seus proprietários (a tal WeWork vale, no momento, bilhões de dólares, e paga miseravelmente seus funcionários)?

Não tenho resposta para isso, até porque é neste ponto em que estou me debruçando para pensar um plano de ação (um projeto de pesquisa, basicamente…tudo começa assim em nossa profissão [pesquisadores], certo?). Mas me parece que uma reorganização dos estudos sobre sentido do trabalho poderiam se beneficiar de uma articulação melhor, não com os ‘estados psicológicos’ e seus níveis de impacto pelo trabalho (desenvolvimento, etc.), mas, sobretudo, com as conexões entre o sentido ‘micro’ e o ‘macro’, especialmente num Brasil completamente sem narrativa agregadora (não temos a narrativa do capitalismo, como nos EUA, nem tampouco a narrativa de uma pátria ‘engrandecida’, como os países da Europa ainda sustentam, por osmose ou inércia, de seu passado).

I believe in homicide (song + ideias)

Número 1

Às vezes, me arrependo de falar. Tenho uma relação ambígua com a palavra: ao mesmo tempo em que tento mantê-la longe do meu turbilhão interior, ela escapa para lá e funciona como lenha na fogueira. A construção narrativa escala de tal forma, toma tanta força, me deixa tão transtornado, que a única saída é desacelerar abruptamente, e entrar tenramente no reino da depressão.

Número 2

Aqui não há psiquiatras, nem pessoas bem-intencionadas. Sei lá quem é meu leitor neste mundo anônimo. Mas penso, tirando os casos de aberração clínica, que a depressão te coloca em uma sintonia mais fina com a realidade. Pelo menos, por comparação: uma aventura esquizóide ou obsessiva-compulsiva te torna cego e surdo; a depressão, não – a depressão te joga num buraco de silêncio, mas não de desânimo ou pavor, necessariamente, mas de abertura. Em não havendo nada na mente, nenhuma narrativa-fogo escalada pela linguagem, pode haver um instante de calmaria necessária (embora talvez não suficiente) para pensar posicionado no andar térreo da vida, olhando o horizonte da altura do chão, sem descolar dele, mas em vistas de erguer algo que se sustente. O que se sustenta? Bom, os existencialistas diriam que nada se sustenta OU no sujeito OU no mundo. Seria na relação entre ambos. Não acho: o mundo se sustenta. O que temos de fazer, do silêncio desse tipo de depressão de que falo aqui, é nos sintonizarmos com ele. Sermos menos “sujeitos”. Falamos demais, fazemos pouco com o mundo.

Número 3

O que esqueci de dizer no post anterior é que os modos de vibração podem ser puramente imaginários, fantasiosos. Estes dias, aliás, estava pensando sobre a fantasia. Ela é como que aquele palito de fósforo que usei na descrição de “Fagulha”. A fantasia pode ser um vento tão forte que arranca tudo pelo caminho. A fantasia é uma forma, ao mesmo tempo, de incrementar a vida banal cotidiana, o tédio, como também uma forma de escape, de negação, de subuso. A fantasia não é um sonho. A fantasia pode ser um pesadelo, por vezes dividido a dois, o que a torna ainda mais perigosa, pois, em dois, ela pode parecer verdadeira.

Número 4

Quando, volta e meia, me perguntam, e aliás perguntam muito, em que acredito “de verdade”, me enredo nas palavras. E mais e mais me afogo nelas, tento nadar por muitas, achar uma saída, mas, quando me dou por mim, estou mais afundado nas palavras, um córrego vira um rio e o rio deságua no mar, e então as palavras vão seguindo e eu, navegando nelas, sendo enredado por elas, por uma força da qual desconheço a origem, mas vou sendo levado. Não posso dizer no que realmente acredito, pois, quando tento, sinto gosto de cobre na boca, ou zinco, ou ferro (mais provável). Pois no que realmente acredito é: no oposto do que é, ou em tudo aquilo que nunca poderá deixar de ser o que é. Quando te perguntam no que você acredita, no fundo, eu acho que ou é uma traição, ou é um desmascaramento. Ambas, desagradáveis…talvez, em alguns casos porém, necessárias.

Número 5

Estando entre muitos, vivo como muitos e não penso como eu; após algum tempo, é como se me quisessem banir de mim mesmo e roubar-me a alma — e aborreço-me com todos e receio a todos. Então o deserto me é necessário, para ficar novamente bom”

– Nietzsche, Aurora, §491

Fagulha

Escrevi em algum momento neste blog que um aforismo do Nietzsche me dizia muito. Acho que foi há uns bons anos atrás. Tentei achá-lo novamente, na íntegra, mas não consegui. Acho que era do Humano, demasiado humano, mas não encontrei.

A idéia era simples. Aqui vai com a liberdade de minha memória/imaginação. Uma poça d’água, dessas de beira de estrada, em algum lugar com pouca circulação de pessoas. No alto de uma colina, em uma estrada de terra, por exemplo. Essa poça fica parada e tranquila na maior parte do tempo. Esse seria, digamos, o ‘estado natural’ dela. Mas eis que, em um dia qualquer, passa um cavaleiro e por qualquer razão provoca um distúrbio na poça, seja por passar com o cavalo perto dela, trepidando a região, ou por ter lançado algum objeto pequeno sobre ela. O fato é que, como se poderia imaginar, um gesto involuntário como esse acabou alterando o estado natural da poça e seu conteúdo. O que Nietzsche em seguida dizia, na ‘interpretaçaõ’ da situação: evite situações em que seu estado ‘normal’ de funcionamento é alterado, pois leva tempo para voltar ao normal e, ao cabo, a experiência nem sempre é válida ou ‘enriquecedora’.

Mas me ocorreu uma outra possibilidade, embora, evidentemente, entenda o contexto do aforismo original (a perspectiva de você tornar-se quem você é, não se deixando ‘moldar’ pelas circunstâncias exteriores, tampouco tentar, vamos dizer, violar-se em certos contextos ou escolhas ou lugares que não correspondem, no fim e ao cabo, à sua ‘natureza’).

Vamos supor que você esteja na sua, como se diz, acondicionado em seu suposto estado natural. E se protegendo para não ter nenhuma pedra ou turbulência próxima à sua “poça”. Mas tal pedra vem e, no final das contas, isso pode ter alguma positividade. Para argumentar nessa direção, considere uma outra metáfora: agora, a de uma corda presa em duas extremidades. A depender do modo com que é tangida (a força que lhe é aplicada), essa corda vibra em diversas frequências (mantidas, obviamente, as mesmas densidade e comprimento). Embora ela sempre vá possuir o que os físicos chamam de ‘frequência fundamental’, ou primeiro harmônico, ela também pode vibrar em outros harmônicos. Como um violão, cujas cordas, a depender de onde são ‘presas’ pelos dedos do músico, emitem sons com diferentes frequências, umas mais, outras menos agudas.

E se formos, similarmente, como tais cordas, que podem vibrar em diferentes harmônicos? Haveria de o segundo harmônico, por exemplo, ser menos ‘representativo’ da ‘essência da corda’, e, pulando para a realidade, da ‘essência ou modo natural’ de uma pessoa?

Por característica de personalidade, sempre tive a tendência, embora sem quase nenhum sucesso, de operar na metáfora nietzschiana. Para alcançar meus objetivos, em geral profissionais, mas com certeza não apenas, toda minha atenção precisa estar condensada e, para isso, a superfície da ‘poça’ da minha existência deveria estar sempre no seu estado fundamental. Óbvio que, a todo instante, somos afetados pelo mundo. Não vivemos no alto de uma montanha. Também é óbvio que, criando um espaço para si de protenção mínima (uma substituição para a experiência primitiva do útero), nos defendemos, por assim dizer, das afetações do mundo, ou, para usar uma palavra menos bélica, nós acolhemos as afetações do mundo a partir de um lugar onde as possamos, primeiro, digerir (de um ethos ou casa). A despeito disso, ocorreu-me, por estes dias, que talvez seja possível vibrar em outras frequências, e esses outros níveis de vibração, embora não sejam idênticos ao do ‘primeiro harmônico’, ainda assim dizem sobre sua própria existência, a compõem, eventualmente a densificam.

Só não sei precisar qual seria o limite. Quer dizer, até qual harmônico se conseguiria ir sem alterar o modus operandi básico de um funcionamento cognitivo que, como uma planta exigente, necessita de um ambiente ‘still’ ou em equilíbrio dinâmico pelo menos, para então poder desabrochar? Pois, se de um lado, talvez seja difícil blindar-se completamente no alto da montanha, por outro as afetações, ao alterarem o modo fundamental de vibração, podem criar uma ressonância e, a depender da natureza do ‘material’ da corda metafórica, romper-se (um copo de vidro, em ressonância, pode romper-se). Ou criarem um novo arranjo, uma nova gramatura de movimentos, todos em alternância, sem que um canibalize o outro (o medo de perder o controle cognitivo, ou uma visão muito estreita sobre o que é a própria cognição).

***

A ‘fagulha’ do título é só uma imagem para simbolizar o fato de que, por exemplo, a poça no alto da montanha pode estar preenchida com álcool. Na continuação dessa metáfora, é também possível imaginar o mundo como uma imensa caixa cheia de palitos de fósforo. Você pode ser ‘acionado’ pelos movimentos aleatórios mais banais, imprevisíveis, e seu pensamento pode vibrar e novas conexões serem feitas, como também novos distúrbios serem gerados – o ponto é em ‘digeri-los’, fazer algo com eles. O que diz sobre você essas novas vibrações? Como chamá-las? Pois poderiam haver vibrações em todos os campos ‘tradicionais’, como o profissional, o afetivo, etc. Qual a amplitude da variação, ou seria a vida, justamente, experimentar a maior amplitude possível, pois, como poderia dizer Deleuze, qual o limite ou o que pode um corpo (ou foi dito por Espinosa)? O corpo seria, nesse sentido, o palco de vibrações insondáveis, de construções cujas amplitudes diversificam a existência, como também podem a estilhaçar (o copo quebrando)…

Post-scriptum. Enfim, como a cognição pode ser afetada por essas formas alternativas de vibração é o que, hoje, me causa certa inquietação. Mas, assim como fazem os músicos, quando usam um diapasão para afinar seus instrumentos, assim também podemos fazer com as afetações do mundo. Para os que são de psicologia do trabalho, por exemplo, certamente vão se lembrar justamente dessa proposta feita por Y. Clot ao falar do papel do gênero profissional: agir como um diapasão, capaz de sincronizar as pessoas ao redor do real do trabalho.

Oxytenis modestia

Achei muito interessante – mas só se você prestar muita atenção vai perceber (ou só vai perceber porque estou te apontando isso), que existe um pequeno ser vivo no meio dessas folhas, perfeitamente mimetizado com elas. Trata-se de uma mariposa típica de florestas peruanas, cujo nome científico encabeça o título.

Sempre tive muita admiração por essas estratégias de mimêsis, pelas quais, em se igualando com o substrato, se se torna invisível. Muita gente discute hoje o poder que surge pelo fato de as redes ou mídias sociais permitirem o ‘anonimato’ de seus usuários, fato que lhes daria uma grande liberdade – tanto para o bem como para o mal. Mas por que será que alguém pode sentir-se ‘poderoso’ pelo fato de não deixar às claras sua ‘verdadeira identidade’? Sei que há questões que vão desde algum tipo de jogo psicológico, passando por um voyerismo patológico (ou nem tanto), até aspectos morais, éticos, relacionados à importância de se associar, sem ubiquidade, o ‘eu’ e suas ações.

Paradoxalmente, porém, parece que temos motivos para acreditar, ao menos se nos fixamos em torno (ainda) desse fenômeno das redes ou mídias sociais, que as pessoas, ao contrário, gostam de se expor – alguns chegam mesmo a se super-expor, por vezes usando isso como forma de espetacularizar sua vida e ganhar dinheiro ou ter seguidores, etc. Pode-se argumentar que mesmo essa superexposição pode revelar um efeito rebote, isto é, expor-se ao ponto de não deixar nenhuma área segura de ‘intimidade’ protegida do escrutínio do outro pode ser uma forma de ‘esconder-se’ também…

Achei, por fim, muito sugestivo o nome científico do animal “modestia”. Claro que, no caso da mariposa, o propósito evolutivo subjacente está relacionado com a sobrevivência: se esse animal da espécie ‘modestia’ fosse, digamos, como um pavão, decerto, considerando os riscos de seu habitat, ela não estaria mais viva, não teria escapado de ser dizimada ao longo do processo de seleção natural.

Pensando em um sentido mais conotativo, ‘modéstia’ poderia ser definida como um tipo de virtude em que, no geral, se pressupõe alguma forma de mimêsis, ou de não destacamento individual. “Aquela pessoa é modesta”, como se diz no popular – embora tal frase muitas vezes traga implícito que a pessoa em questão poderia, se ela quisesse, ser muito diferente do que se supõe ser uma pessoa ‘modesta’, mas, em alguma medida, ela preferiu não o sê-lo. Há, claro, também o sentido de “Fulano leva uma vida modesta”, no sentido de materialmente simples, ou mesmo pobre (no lado mais negativo), ou ‘frugal’ (num lado, digamos, mais positivo ou ‘politicamente correto’).

Não saberia rastrear, se é que há (talvez seja de uma linhagem terminológica diferente, no campo das virtudes), o sentido filosófico do termo modéstia; o que há, me parece, e muito, é seu sentido mais religioso. De fato, como não ser modesto se sabendo (a) pecador; (b) imagem imperfeita de Deus; (c) um ser que, apesar de sua plenitude, é, perante o criador, um amontoado patético. Esse talvez seja um tipo de modéstia do tipo “Saiba qual é, realmente, seu lugar nesse negócio todo, meu filho”.

Mas, tirando esse “teto” religioso, que comprime os egos e os alerta quanto a seus impulsos similares a, muitas e muitas vezes, o de pequenos “deuses de narizes impinados”, no sentido mais, digamos, secular, modéstia nos lembra da importância de reconhecer o coletivo, e de que, caso você pretenda arrogar-se algum destaque especial, isso só terá sido possível, apesar de seus méritos, graças a outras pessoas, graças à “coletividade” que, direta e, sobretudo, indiretamente, lhe deu insumos para você ser quem você é. Essa poderia ser uma explicação. Uma outra seria de que, ao não ser modesto, você pode estar dizendo ao outro que ele é inferior a você, da mesma forma que uma pessoa pode torcer o nariz diante de um “exibido” ou vaidoso (contrário da modéstia) porque ela não tolera estar em situação de desvantagem.

No fundo, agora estou notando, essa coisa da modéstia é muito interessante, e pode nos revelar um tanto sobre nossos modos de ser na atualidade. Para não me alongar, e voltando à Oxytenis modestia, o fato é que poucas pessoas conseguiriam, eu suponho, evitar de sentir alguma coisa positiva em relação à uma existência realmente modesta. Ou ao menos a modéstia genuína teria, com certeza, menos adversários do que a petulância, arrogância e etc.

Se, junto da modéstia, ainda acrescentássemos a beleza (sem entrar no mérito da definição desta por enquanto), aí então, ou ficaríamos maravilhados, no caso de termos um ego minimamente desenvolvido para ainda conseguirmos contemplar o mundo em sua pura objetividade, no sentido fenomênico do “aí está” (e não como algo que, para ser apreendido, deva, primeiro e antes de mais nada, passar pelo crivo da minha subjetividade, sendo esta a única prova de que algo possa ser ‘verdadeiro’ – veja a proliferação das ‘fake news’ em nossa época, inclusive sobre credibilidade do processo eleitoral, etc. etc.), ou ficaríamos loucos, como Salieri em relação a Mozart… a incapacidade existencial (era dramático ver no filme o quanto Salieri realmente sofria – pois, para piorar, colocava Deus no meio da equação!) de ver, juntas, de mãos dadas e em plena simbiose, a beleza, a elegância, e a modéstia.

Obs.: caso você tenha curiosidade, sugiro procurar na internet pela lagarta da mariposa modestia; ao fazê-lo, tire suas próprias conclusões sobre o contexto do assunto!

Estou confuso

Embalado pelo espírito nós-e-eles que, mais uma vez, invade o país, fiquei com um pensamento no ar, sobre o qual gostaria de falar aqui.

De um lado, o discurso de que o nível material de uma pessoa tem a ver, praticamente de modo exclusivo, com ela própria. De outro, o discurso, mais voltado ao lado social da coisa, de que devemos entender a desgraça vivida por muita gente no nosso país como uma reminiscência de um passado de exploração.

No primeiro caso, eco na minha cabeça se faz por ouvir, por mais do que o tempo recomendado pela segurança mental, alguns jornalistas da Jovem Pan (não sei escrever os nomes, mas é fácil deduzir). Paulistas, acreditam, decerto, no mérito, na ‘ousadia’. Devem olhar para o próprio umbigo quando pensam e julgam os outros como “responsáveis” pela sua própria desgraça (pobres, em geral, eu suponho). Claro, se eles deram “tão certo”, graças a tanto trabalho, por que esses ‘brasileiros’ chorões ficam aí pedindo bolsa família e votando no ‘poste’? Vê-se claramente, nessa gente, a espuma do ódio na boca. Vejam o prazer que eles têm ao descrever o que chamam de ‘esquerda caviar’. Ok, sei que isso já está talvez bem velho…

No segundo caso, a mentalidade corporativista mais aliada ao pensamento “sou medíocre, mas, junto de outros, ganho alguma vantagem”. Esse é o quinhão da galera que acha que dinheiro dá em árvore. São os defensores do ‘povo’, da ‘exploração congênita’ e da distribuição ‘comunista’ dos bens (vulgo “propriedade privada”). As cordas vocais desse povo é azeitada por contra-cheques pagos pelo serviço público. Se inquiridos sobre como seu salário é composto, com certeza devem desconversar. Se ouvem a palavra “empreendedor”, têm um ataque intestinal e enegrecem tudo ao redor.

Seria possível ‘juntar’ essas duas versões? Pois, convenhamos, enegrecer o ambiente quando se ouve a palavra ‘empreendedor’ não deve ser lá razão para comemorar. Porém, ficar, diante de um microfone, bravando ‘meritocracia’ num país carcomido pela pobreza e ignorância decerto também não seria algo que a ONU iria recomendar.

Estou te dizendo o seguinte: que minha subjetividade está dividida nesse negócio. Pessoalmente, acredito que há, sim, muito corpo mole por aí. As pessoas, sob a verdadeira justificativa de que não têm nada, acabaram aprendendo apenas 100 palavras da língua portuguesa, e elas têm a ver com ‘direitos’. Discutem a penúria. São aferradas a Maslow: “Meu amigo, não dá para discutir nada se o bucho não está cheio”. Mal percebem que, ao pensarem com o bucho, vão morrer com ele.

A esquerda brasileira, velha e carcomida como bom ‘intelectual’ de esquerda, acha que o mundo é uma colônia onde todos deveriam dividir a mesma escova de dentes. São ontologicamente indignados. Até assumo que devam sofrer à noite pensando na desgraça do brasileiro – sei lá, 80% da população. Mas elas preferem fazer isso no ‘conforto’ do contra-cheque pago com dinheiro do Estado – que, aliás, defendem que deva ser ‘atuante’ (jura?).

A direita brasileira, por seu turno, é composta, predominantemente, por velhos que ganharam muita grana num país de desdentados, e que, por razões obscuras, acham que isso foi mérito deles. Odeiam a eles mesmos, mas não percebem isso, pois não se conformam em ter nascido na colônia. Pois pergunto o seguinte: se, enquanto a esquerda corrupta tem o sonho de fazer o povo ter o que comer (ora, pelo menos é um vestígio de utopia), a galera da direita tem qual sonho? Ser um ‘gigante da América Latina’, ou conseguir comprar o novo iphone nos EUA? Não têm qualquer vontade ou tesão por pensar em construir um país internacionalmente respeitável. Vão seguindo a manada, em geral, a manada das commodities.

Voltando ao início: embalado pelo discurso corrente, só reflito minha covarde incapacidade de superar a ‘dialética da contradição’. Enquanto isso, vamos seguindo nas duas correntes: os ‘empreendedores’, de um lado, e os ‘revolucionários’, de outro.

A JJCC.

Prefiro ouvir a falar (#56)

Prefiro ouvir a falar (#55)

What is important?

Do you really know what is important in life? Life itself? Beloved Ones? Health? Wealth? Knowledge? Vanity? Self? The body itself (as Schopenhauer once [indirectly] said)? What about career (of course, a successful one [joking])?

What if … some ‘futile’ detail is, in fact, something of paramount importance to you? I couldn’t, unfortunately, explain to you exactly what I’m thinking. I have the image, but I am not able to convey it in language (at least, not easily).

Ok, that doesn’t make sense. After all, if I have a blog, it is because I think I should materialize my ideas in this tiny post, right?

Well, yes. So, here you go: to grasp what is really important, you, paradoxically, has to go beyond your own [fantastic] self. Yes, the self is pure (necessary) illusion: time within brackets. It appears to me that the only thing that really matters is the “body” [by contrast to self-as-an-imaginary-instance] and, by consequence, the ‘here-and-now’.

Yeap. Whenever we, by means of your ‘mind’ (its power), transcend the actual life we’re having, then we are losing ground, and reaching, so to speak, the helm of the imaginary, the domain of what should be important (or should have been important [as fantasy]).

Two days ago my oldest dog had a collapse. I thought she had passed away. At that very moment, I had no ideas or images in my mind, only her (supposedly) dead body. At that exact moment, that body was the only thing really important, material, to me. Everything else, all the illusions of my self, were sent to the back of my mind. All of the sudden, they stop tormenting me. Do you see? The “événement” – something like “the event”. It took my breath away. The self, in that particular, singular and irreversible moment, was nothing. Three or so minutes later, my dog “came back to life”. I had no idea she was having ‘only’ a collapse (she has an early heart failure insufficiency), and not going to die. Then, life went back to its track, but this episode led me to think about what is important in life…

Capiche?

Prefiro ouvir a falar (#54)


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