Oxytenis modestia

Achei muito interessante – mas só se você prestar muita atenção vai perceber (ou só vai perceber porque estou te apontando isso), que existe um pequeno ser vivo no meio dessas folhas, perfeitamente mimetizado com elas. Trata-se de uma mariposa típica de florestas peruanas, cujo nome científico encabeça o título.

Sempre tive muita admiração por essas estratégias de mimêsis, pelas quais, em se igualando com o substrato, se se torna invisível. Muita gente discute hoje o poder que surge pelo fato de as redes ou mídias sociais permitirem o ‘anonimato’ de seus usuários, fato que lhes daria uma grande liberdade – tanto para o bem como para o mal. Mas por que será que alguém pode sentir-se ‘poderoso’ pelo fato de não deixar às claras sua ‘verdadeira identidade’? Sei que há questões que vão desde algum tipo de jogo psicológico, passando por um voyerismo patológico (ou nem tanto), até aspectos morais, éticos, relacionados à importância de se associar, sem ubiquidade, o ‘eu’ e suas ações.

Paradoxalmente, porém, parece que temos motivos para acreditar, ao menos se nos fixamos em torno (ainda) desse fenômeno das redes ou mídias sociais, que as pessoas, ao contrário, gostam de se expor – alguns chegam mesmo a se super-expor, por vezes usando isso como forma de espetacularizar sua vida e ganhar dinheiro ou ter seguidores, etc. Pode-se argumentar que mesmo essa superexposição pode revelar um efeito rebote, isto é, expor-se ao ponto de não deixar nenhuma área segura de ‘intimidade’ protegida do escrutínio do outro pode ser uma forma de ‘esconder-se’ também…

Achei, por fim, muito sugestivo o nome científico do animal “modestia”. Claro que, no caso da mariposa, o propósito evolutivo subjacente está relacionado com a sobrevivência: se esse animal da espécie ‘modestia’ fosse, digamos, como um pavão, decerto, considerando os riscos de seu habitat, ela não estaria mais viva, não teria escapado de ser dizimada ao longo do processo de seleção natural.

Pensando em um sentido mais conotativo, ‘modéstia’ poderia ser definida como um tipo de virtude em que, no geral, se pressupõe alguma forma de mimêsis, ou de não destacamento individual. “Aquela pessoa é modesta”, como se diz no popular – embora tal frase muitas vezes traga implícito que a pessoa em questão poderia, se ela quisesse, ser muito diferente do que se supõe ser uma pessoa ‘modesta’, mas, em alguma medida, ela preferiu não o sê-lo. Há, claro, também o sentido de “Fulano leva uma vida modesta”, no sentido de materialmente simples, ou mesmo pobre (no lado mais negativo), ou ‘frugal’ (num lado, digamos, mais positivo ou ‘politicamente correto’).

Não saberia rastrear, se é que há (talvez seja de uma linhagem terminológica diferente, no campo das virtudes), o sentido filosófico do termo modéstia; o que há, me parece, e muito, é seu sentido mais religioso. De fato, como não ser modesto se sabendo (a) pecador; (b) imagem imperfeita de Deus; (c) um ser que, apesar de sua plenitude, é, perante o criador, um amontoado patético. Esse talvez seja um tipo de modéstia do tipo “Saiba qual é, realmente, seu lugar nesse negócio todo, meu filho”.

Mas, tirando esse “teto” religioso, que comprime os egos e os alerta quanto a seus impulsos similares a, muitas e muitas vezes, o de pequenos “deuses de narizes impinados”, no sentido mais, digamos, secular, modéstia nos lembra da importância de reconhecer o coletivo, e de que, caso você pretenda arrogar-se algum destaque especial, isso só terá sido possível, apesar de seus méritos, graças a outras pessoas, graças à “coletividade” que, direta e, sobretudo, indiretamente, lhe deu insumos para você ser quem você é. Essa poderia ser uma explicação. Uma outra seria de que, ao não ser modesto, você pode estar dizendo ao outro que ele é inferior a você, da mesma forma que uma pessoa pode torcer o nariz diante de um “exibido” ou vaidoso (contrário da modéstia) porque ela não tolera estar em situação de desvantagem.

No fundo, agora estou notando, essa coisa da modéstia é muito interessante, e pode nos revelar um tanto sobre nossos modos de ser na atualidade. Para não me alongar, e voltando à Oxytenis modestia, o fato é que poucas pessoas conseguiriam, eu suponho, evitar de sentir alguma coisa positiva em relação à uma existência realmente modesta. Ou ao menos a modéstia genuína teria, com certeza, menos adversários do que a petulância, arrogância e etc.

Se, junto da modéstia, ainda acrescentássemos a beleza (sem entrar no mérito da definição desta por enquanto), aí então, ou ficaríamos maravilhados, no caso de termos um ego minimamente desenvolvido para ainda conseguirmos contemplar o mundo em sua pura objetividade, no sentido fenomênico do “aí está” (e não como algo que, para ser apreendido, deva, primeiro e antes de mais nada, passar pelo crivo da minha subjetividade, sendo esta a única prova de que algo possa ser ‘verdadeiro’ – veja a proliferação das ‘fake news’ em nossa época, inclusive sobre credibilidade do processo eleitoral, etc. etc.), ou ficaríamos loucos, como Salieri em relação a Mozart… a incapacidade existencial (era dramático ver no filme o quanto Salieri realmente sofria – pois, para piorar, colocava Deus no meio da equação!) de ver, juntas, de mãos dadas e em plena simbiose, a beleza, a elegância, e a modéstia.

Obs.: caso você tenha curiosidade, sugiro procurar na internet pela lagarta da mariposa modestia; ao fazê-lo, tire suas próprias conclusões sobre o contexto do assunto!

Estou confuso

Embalado pelo espírito nós-e-eles que, mais uma vez, invade o país, fiquei com um pensamento no ar, sobre o qual gostaria de falar aqui.

De um lado, o discurso de que o nível material de uma pessoa tem a ver, praticamente de modo exclusivo, com ela própria. De outro, o discurso, mais voltado ao lado social da coisa, de que devemos entender a desgraça vivida por muita gente no nosso país como uma reminiscência de um passado de exploração.

No primeiro caso, eco na minha cabeça se faz por ouvir, por mais do que o tempo recomendado pela segurança mental, alguns jornalistas da Jovem Pan (não sei escrever os nomes, mas é fácil deduzir). Paulistas, acreditam, decerto, no mérito, na ‘ousadia’. Devem olhar para o próprio umbigo quando pensam e julgam os outros como “responsáveis” pela sua própria desgraça (pobres, em geral, eu suponho). Claro, se eles deram “tão certo”, graças a tanto trabalho, por que esses ‘brasileiros’ chorões ficam aí pedindo bolsa família e votando no ‘poste’? Vê-se claramente, nessa gente, a espuma do ódio na boca. Vejam o prazer que eles têm ao descrever o que chamam de ‘esquerda caviar’. Ok, sei que isso já está talvez bem velho…

No segundo caso, a mentalidade corporativista mais aliada ao pensamento “sou medíocre, mas, junto de outros, ganho alguma vantagem”. Esse é o quinhão da galera que acha que dinheiro dá em árvore. São os defensores do ‘povo’, da ‘exploração congênita’ e da distribuição ‘comunista’ dos bens (vulgo “propriedade privada”). As cordas vocais desse povo é azeitada por contra-cheques pagos pelo serviço público. Se inquiridos sobre como seu salário é composto, com certeza devem desconversar. Se ouvem a palavra “empreendedor”, têm um ataque intestinal e enegrecem tudo ao redor.

Seria possível ‘juntar’ essas duas versões? Pois, convenhamos, enegrecer o ambiente quando se ouve a palavra ‘empreendedor’ não deve ser lá razão para comemorar. Porém, ficar, diante de um microfone, bravando ‘meritocracia’ num país carcomido pela pobreza e ignorância decerto também não seria algo que a ONU iria recomendar.

Estou te dizendo o seguinte: que minha subjetividade está dividida nesse negócio. Pessoalmente, acredito que há, sim, muito corpo mole por aí. As pessoas, sob a verdadeira justificativa de que não têm nada, acabaram aprendendo apenas 100 palavras da língua portuguesa, e elas têm a ver com ‘direitos’. Discutem a penúria. São aferradas a Maslow: “Meu amigo, não dá para discutir nada se o bucho não está cheio”. Mal percebem que, ao pensarem com o bucho, vão morrer com ele.

A esquerda brasileira, velha e carcomida como bom ‘intelectual’ de esquerda, acha que o mundo é uma colônia onde todos deveriam dividir a mesma escova de dentes. São ontologicamente indignados. Até assumo que devam sofrer à noite pensando na desgraça do brasileiro – sei lá, 80% da população. Mas elas preferem fazer isso no ‘conforto’ do contra-cheque pago com dinheiro do Estado – que, aliás, defendem que deva ser ‘atuante’ (jura?).

A direita brasileira, por seu turno, é composta, predominantemente, por velhos que ganharam muita grana num país de desdentados, e que, por razões obscuras, acham que isso foi mérito deles. Odeiam a eles mesmos, mas não percebem isso, pois não se conformam em ter nascido na colônia. Pois pergunto o seguinte: se, enquanto a esquerda corrupta tem o sonho de fazer o povo ter o que comer (ora, pelo menos é um vestígio de utopia), a galera da direita tem qual sonho? Ser um ‘gigante da América Latina’, ou conseguir comprar o novo iphone nos EUA? Não têm qualquer vontade ou tesão por pensar em construir um país internacionalmente respeitável. Vão seguindo a manada, em geral, a manada das commodities.

Voltando ao início: embalado pelo discurso corrente, só reflito minha covarde incapacidade de superar a ‘dialética da contradição’. Enquanto isso, vamos seguindo nas duas correntes: os ‘empreendedores’, de um lado, e os ‘revolucionários’, de outro.

A JJCC.

Prefiro ouvir a falar (#56)

Prefiro ouvir a falar (#55)

What is important?

Do you really know what is important in life? Life itself? Beloved Ones? Health? Wealth? Knowledge? Vanity? Self? The body itself (as Schopenhauer once [indirectly] said)? What about career (of course, a successful one [joking])?

What if … some ‘futile’ detail is, in fact, something of paramount importance to you? I couldn’t, unfortunately, explain to you exactly what I’m thinking. I have the image, but I am not able to convey it in language (at least, not easily).

Ok, that doesn’t make sense. After all, if I have a blog, it is because I think I should materialize my ideas in this tiny post, right?

Well, yes. So, here you go: to grasp what is really important, you, paradoxically, has to go beyond your own [fantastic] self. Yes, the self is pure (necessary) illusion: time within brackets. It appears to me that the only thing that really matters is the “body” [by contrast to self-as-an-imaginary-instance] and, by consequence, the ‘here-and-now’.

Yeap. Whenever we, by means of your ‘mind’ (its power), transcend the actual life we’re having, then we are losing ground, and reaching, so to speak, the helm of the imaginary, the domain of what should be important (or should have been important [as fantasy]).

Two days ago my oldest dog had a collapse. I thought she had passed away. At that very moment, I had no ideas or images in my mind, only her (supposedly) dead body. At that exact moment, that body was the only thing really important, material, to me. Everything else, all the illusions of my self, were sent to the back of my mind. All of the sudden, they stop tormenting me. Do you see? The “événement” – something like “the event”. It took my breath away. The self, in that particular, singular and irreversible moment, was nothing. Three or so minutes later, my dog “came back to life”. I had no idea she was having ‘only’ a collapse (she has an early heart failure insufficiency), and not going to die. Then, life went back to its track, but this episode led me to think about what is important in life…

Capiche?

Prefiro ouvir a falar (#54)

I prefer listening to talking (#53)

I prefer listening to talking (#51)

Six nonsensical and extemporaneous assertions

1. Speaking English is a sign of ‘intelligence’? Don’t be an idiot. This is only a question of where you’ve born. “English native speakers” are such a regular person as you.

2. You have a body, right? Of course, you have. Ok, so let’s take a geographic perspective. The ground is the reference point, ok? Then, from bottom-up, we have, (1) shit (your stomach and so forth), and … (2) your brain.

3. Around one “smart guy” (basically, someone that has managed to deal with valuable symbolical resources, because he or she is a professional hoax), there are always a lot of other “small guys” trying to benefit or be as “smart” as their “master.” As Rorty once said: only one or two are really innovative (intellectually speaking). The rest is only trying to copy and find some justification to fill the space between their foot and their brain (I mean: that thick layer of shit).

4. What if the cynism was the best (or the only) way to deal with the nonsensical conditions of modern (and, especially, academic) life?

5. Your life would be completely different if you could listen to music, take wine and, then (and only then), was able to use what is located above the shit-deposit I’ve mentioned before (of course, doing everything at once). The “raw” life is too much tough and meaningless to support.

6. Marx, I bet, is laughing in his grave. Because we think we are free spirits walking around the world. When you come to realize that you only need to render account to those who pays your bills, your feeling of being free (or captive) would much be more realistic.

***Final remark: we speak more than we should. Have you already realized how noisily the world is? I´m doing my part…

Danish divagations II (the smile)

After some time here in Denmark, I came to realize a certain Danish cultural trace (at least this is what I’m able to catch as a foreign). Walking down on the street, it is not uncommon to be surprised by someone smiling at you. Yes, people that are completely unfamiliar to you can look at you and … smile to you! It has happened to me at the supermarket, at the park, and at the street. Typically, it is a glance of a smile, but even so a smile.

First, of course, I thought that it was something addressed to me. Then I started to check out which kind of person used to do that more frequently. The result of this rough “survey” was that older woman used to smile more often that the younger ones. Well, but eventually I was also gifted by some young girl smile.

In a self-centered culture, where the face is a proxy to, obviously, the self, I think my first reaction was entirely understandable. The person somehow only exists to the other when she is seen by the other. More specifically, when their eyes meet. Social encounters – like at public spaces – are ruled out by an impersonal code according to which, if my eyes turn out to meet your eyes, immediately I’m supposed to shift them away – for instance, to the sky or the other’s shoes.

But what should I think when in addition to eyes contact, the experience comes with a smile? Both as quick as lightning? When my eyes glance off someone’s eyes as we walk past on the street, a sort of “relationship” is immediately settled. What kind of relationship? Well, you feel like beeing recognized, but not as Pedro, a particular self (even if I’d prefer the opposite), but as a person like the other. Second, you may feel some kind of reciprocity. Levinas, in a book about the Face, said that the face (not necessarily the physical or even psychological one) is a way to “face” the alterity – but, in Levinas’ account, I recognize the other’s suffering face. Here what I’m looking at is a smiling face, something quite different from a suffering face.

Over time, I finally came across with a hypothesis, an explanation for this (I guess) typical Danish behavior. Smiling is as much impersonal as swift eyes away. Here’s my guess: it is the way that the local culture found to regulate the social behavior, the borders between the intimacy/strangeness. In the social encounters, I unconsciously tell you: “Don’t be afraid, I’m a kind person, and I’ll not hurt you.” But, in return, “I hope you do the same to me.”

My question is: what happens when someone wants to demonstrate some particular “interest” in someone else, as when you are trying to get on with someone? There will be a different nuance in the way they smile, or look at one another? Could be the opposite, I mean, if I’m interested in you as a singular person, should I “ignore” you, or maybe could I have any trouble in staring at you?


You cannot copy content of this page