Um lado de ser turista é chato. Aborrecedor. Arrumar, desarrumar malas, ir de hotel em hotel, frequentar o transporte público (trens e avião, no meu caso recente), verificar a todo instante se os documentos essenciais estão consigo, ocupar-se da conversão de moedas e da troca de línguas e dialetos. Também é chato, ao ser turista, participar (por diversos motivos que vão desde logísticos a financeiros…) de um certo reducionismo que consiste em enquadrar um lugar (uma cidade, por exemplo) a paisagens turísticas: quando na cidade A, visite os locais A1, A2…; quando na B, os B1, B2, B3, e assim por diante. Nesse sentido reducionista, o turista pode ter a sensação estranha de que não está saindo do lugar: apenas está trocando as imagens, vendo-as do mesmo ponto.
Garçons falam inglês na Itália, em Praga; falam francês em Londres, italiano em Portugal. E não têm problemas com isso, pois, no fundo, estão dentro de um mesmo gênero de linguagem: o de atender turistas (o que há de tão variável na atividade de servir uma bebida?). Você sempre pode comprar um souvenir, em geral made in China – um telefone ao estilo inglês para usar como “cofre”; um quadro de algum pintor famoso da cidade; a foto da rua em que certo outro escritor ilustre nasceu (compra-se a réplica da placa da rua…). Nesses momentos, você está participando da redução da cidade e do lugar. As galerias de souvenirs aos pés do Vaticano só são diferentes das de Praga ou Lisboa na medida em mudam-se os objetos a serem representados. Como disse, aqui se tem a impressão de que nada está efetivamente mudando…
O turismo movimenta bilhões de dólares todos os anos: hotéis, restaurantes, empresas de máquinas fotográficas (!), agências de turismo, prefeituras…uma legião de agentes econômicos capitalizando cada pedaço das cidades. É o reino (usando linguagem recente) das indústrias criativas.
Mas há um outro lado do “ser turista” que é bem interessante. Em particular, gostaria de falar da ambiguidade ou ambivalência que essa “atividade” despertou em mim no que diz respeito à relação espaço-lugar.
O espaço é disposição “natural” de coisas. Circula-se pelo espaço. Passa-se um tempo num espaço. O espaço é impessoal. Em contrapartida, o lugar é investido afetiva, social, culturalmente. O turista está em contato com o espaço, mesmo que esteja diante de um monumento ou coisa do tipo “repleto de história”! O nativo, por seu turno, vive num lugar, mesmo que não se circunscreva a ele (lógico que, mesmo sendo habitante, ele viaja, se desloca de um canto a outro, etc.). O lugar compõe sua identidade, dá-lhe estabilidade.
Viver em trânsito em diversos espaços (por exemplo, sair de seu país e ficar um tempo “viajando” por aí) tem seu limite. Não creio que alguém consiga ter sanidade mental simplesmente não parando em lugar algum, vivendo como se fosse um turista permanente. Por outro lado, a relação com o lugar pode ser asfixiante, pode nos levar ao desespero. Obviamente, o lugar depende de um espaço; mas depende também de uma narrativa, de uma história, de um “dizer” sobre o espaço. Por mais que falemos de globalização, a verdade é que os lugares têm sua marca própria. E ela frequentemente absorve os nativos. E o ser humano tem a impressionante característica de viver o local como se ele fosse o limite último de todas as coisas (mesmo que, conscientemente, ele saiba da “imensidão” do espaço que “existe por aí”…). Para captar e viver a narrativa que circula pelos lugares de pertencimento é preciso tempo, exposição e, claro, domínio da língua (num nível que vai muito além da linguagem do garçom, recepcionista etc.).
Então, o turista vive uma situação indefinida, entre o espaço e o lugar. Como turista, tento observar e “entender” o que os nativos estão fazendo. Pelo fato de ser ocidental, de ter sempre vivido em cultura ocidental, consigo reconhecer certos sinais que me dão alguma orientação (quem não reconhece um McDonald’s, independentemente do lugar em que está?). Em outros casos, é difícil entender – e, se tentar observar com um nível cada vez maior de detalhes, menos consigo entender, apreender. Por exemplo, um vendedor de souvenirs de Roma pensa a mesma coisa sobre sua atividade como o faz o vendedor de souvenirs em Londres? Na verdade, como turista, temos de fazer imensas generalizações; não conseguimos olhar no detalhe. Não conseguimos apreender o lugar e suas narrativas. Isso é desconcertante e agoniante.
[To be continued…]