“Você foi desativado!”
Precarização dos professores e declínio das humanidades na universidade
Poderíamos pensar que esta fórmula era uma invenção de George Orwell… Engano: ela é, na sua brutalidade lacônica, a mensagem em “nova língua” administrativa que os sete professores do Departamento de francês da Universidade do Estado de Nova York (SUNY) em Albany acabaram de receber da Presidência de seu estabelecimento. Cada um deles possuía, no entanto, o que se chama nos Estados Unidos de “tenure”: eles pensavam ser beneficiários de uma segurança absoluta no emprego. Aos mais velhos, aconselhou-se uma aposentadoria antecipada; aos mais jovens, “de perseguir sua carreira em outro lugar”. Aos primeiros como aos segundos, nenhum erro profissional lhes foi advertido: eles foram tratados como engrenagens de uma máquina que, deixando de ser rentável, é simplesmente desligada. Não há “desativação” sem desumanização prévia. Estamos mais uma vez no horizonte antecipado por Orwell.
O que acaba de se produzir em Albany, para além das conseqüências humanas em relação às quais é impossível ficar insensível, revela tendências gerais extremamente preocupantes que hoje afetam em profundidade o ensino superior nos Estados Unidos. Com respeito a isso, existem na França tenazes ilusões de ótica: vislumbra-se apenas a vitrine superexposta dos estabelecimentos de excelência de Shanghaï, enquanto ignora-se a face mais obscura de uma multitude de universidades anônimas que se ocupam entretanto da grande maioria da população de estudantes.
Este setor é hoje gravemente ameaçado por uma reestruturação econômica e intelectual brutal: as “desativações” praticadas à SUNY testemunham a severidade dos cortes orçamentários que liquidam os domínios considerados menos rentáveis (os programas de francês, de italiano, de russo, de teatro e letras clássicas foram simultaneamente riscados do mapa), enquanto o emprego se precariza massivamente. Não há mais do que 35% de professores titulares ou em vias de se tornar titulares nas universidades norte-americanas, no mesmo passo em que se desenvolve um corpo de professores auxiliares (adjuncts), precários e nômades, cuja existência de desenrola sob as rodovias que os conduzem de uma universidade à outra, e de uma sala de aula à outra. Segundo dados apresentados por Mark Bousquet (2008) e Frank Donoghue (2008), a porcentagem de auxiliares passou, para o conjunto da universidade americana, de 40 a 65% nos últimos 30 anos. É dessa maneira que é preciso entender o sentido literal do conselho dispensado pela direção de SUNY Albany: “vá perseguir sua carreira em outro lugar”, em outras palavras, atrás de um volante.
A universidade, nos Estados Unidos, foi remodelada logo após a Segunda Guerra Mundial segundo as normas da empresa americana (Lindsay Waters, 2009), conservando ainda assim duas “anomalias” históricas, estranhas à cultura de empresa, e herdadas da tradição universitária européia: a segurança no emprego (a tenure) e um setor importante de atividades intelectuais não diretamente orientadas para o lucro (as humanidades). Estas duas “anomalias” estão em vias de ser “retificadas” sob os nossos olhos. A segurança no emprego está lentamente, mais inequivocamente, desaparecendo da universidade americana, e, junto com ela, a erosão generalizada das proteções individuais que exige hoje o neoliberalismo. Quanto às humanidades, a brutalidade das medidas adotadas pela Presidência de SUNY Albany tem, paradoxalmente, um grande mérito: aquele de ter demonstrado o que poderá se tornar uma realidade banal para as universidades, no âmbito das quais, um belo dia, as humanidades deixarão de serem ensinadas. E onde, junto com elas, as ficções imaginadas por Orwell cairão no esquecimento…
Autores:
Jean-Jacques Courtine
Professor à l’Université de la Sorbonne Nouvelle (Paris III)
Professor Emeritus, University of California at Santa Barbara
Claudine Haroche
Directeur de recherches au CNRS
Tradução:
Mariana Côrtes
Doutoranda à Universidade Estadual de Campinas
Bibliografia:
Mark Bousquet, How the University Works. Higher Education & the Low-Wage Nation, New York, NYU Press, 2008.
Frank Donoghue, The Last Professeurs. The Corporate University & the Fate of the Humanities, New York, Fordham University Press, 2008.
Lindsay Waters, L’Eclipse du savoir, Paris, Allia, 2009.
Via Psicossocial [blog]