Corre na mídia, nas últimas duas semanas (pelo menos que eu acompanhei – por exemplo, em reportagens da Carta Capital), a discussão sobre de que natureza é a nossa “nova” e emergente classe média. Como se sabe, este “estrato” social tem crescido desde o Governo FHC e, notadamente, no Governo Lula. O ponto essencial da discussão, que a mim cheira como uma espécie de ultra-conservadorismo travestido, é sobre se o critério econômico é a melhor (ou a única, como se sugere estar sendo…) medida para se dizer que um grupo social pertence a um determinado estrato.
A classe média, dizem tais ultra-conservadores, está crescendo apenas à sombra de indicadores econômicos, como emprego formal, aumento de renda, e, consequentemente, consumo.
Na mesma Carta Capital, uma revista que, curiosamente, às vezes acho ultra-conservadora (lobo em pele de cordeiro), li diversas matérias de “liberais” criticando a “zumbice” de hordas de pessoas indo às compras nos shoppings centers, “poluindo” a cidade. Não me esqueço, a esse propósito, belíssima coluna de Maria R. Khel sobre uma espécie de “vício” de nossa herança escravista, o de esperar que “o pobre” nos atenda sem “reclamar”, e que, uma vez tais “pobres” ascendendo à classe média (econômica), passariam a ter maior consciência política e a recusarem-se a uma invisibilidade social dócil.
Então, nas entrelinhas, a mensagem: classe média envolve, também (ou sobretudo), educação. E num sentido estrito de “conhecimentos”, diploma, etc., quanto num sentido mais amplo: etiqueta, gosto, refinamento e coisas do tipo. A situação, que, não sei, pode ser transitória, lembra o cisma histórico entre aristocratas e burgueses, ou então a imagem de senso comum do indivíduo com dinheiro, mas ignorante.
Em coluna recente, Paulo Ghiraldelli Jr. faz uma discussão interessante sobre o assunto, “dialogando”, imaginariamente, com o filósofo José Arthur Giannotti, que participou de programa recente na Band para tratar do assunto. Um dos pontos de Ghiraldelli é sobre o suposto “elitismo ingênuo” de Giannotti, ancorado na idéia de que a educação é imprescindível para quem está na classe média.
O ponto é bem interessante, e podemos pensar no papel que o trabalho representa nisso. Por exemplo, Ghiraldelli estima que a educação da classe média não vai sair “à força”, mas virá “organicamente”, no ritmo da própria classe média. Mas de onde vem o dinheiro que sustenta a classe média senão do trabalho? E como trabalhar sem educação formal “apropriada” ou “suficiente”? Isso coloca em questão o sentido da educação: na figura de linguagem do “elitista ingênuo”, para usar expressão de Ghiraldelli, talvez a educação seja o bastião que impede a alienação degradante; educação como “elevação do espírito”. Ora, talvez isso só sirva para alguns poucos e “iluminados” acadêmicos.
A educação “orgânica” da classe média será, mais radicalmente do que já é, uma educação instrumental. Mas até esse tipo de educação, que, veja bem, não estou a menosprezar aqui, pode ser colocada em segundo plano, afinal, a classe média que “ascendeu” graças ao trabalho (formal) é, provavelmente em sua maioria, egressa (se o for!) de escolas particulares, universidades particulares.
Concordo com a visão estreita do elitismo ingênuo. Acho que, para esse pessoal, um antídoto para essa classe média crescente talvez seja frequentar a Université Paris I, ou Sorbone. Ghiraldelli acerta ao propor um olhar menos “marxista” ou menos “pudico” ao fenômeno em questão. Mas Ghiraldelli deixa de enxergar um ponto: ao dizer que a educação virá “na medida da necessidade”, e que o objetivo é ser feliz agora (em parte, patrocinado pela ampliação do trabalho formal), se esquece de que o trabalho, base desse crescimento econômico, dependerá, sim, de educação, e muita. A questão, a meu ver, é qual.
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Obs. (1): Veja-se, a título de mera ilustração da indagação com a qual encerro o post, o problema do “apagão de talentos”, dramatizado, em alguns setores específicos (e “estrtégicos”), pela oferta de postos de trabalho e ausência de mão-de-obra qualificada. Ou seremos um país com uma classe média de trabalhadores extraídos do “exército de reserva”? Aliás, pergunto, ingenuamente, ao um Marx imaginário: seria possível construir uma “classe média” com membros de tal exército?
Obs.(2): A educação foi (ou ainda é) um importante escoadouro teleológico: muitos sistemas tentaram mudar o mundo a partir da educação, que conteria, “em si”, os germes do desenvolvimento do humano. Quando dizemos que é a própria “dinâmica” da classe média que estimulará seu conceito de educação, ficamos do lado da distopia, da pura contingência – à primeira vista. Mesmo que desinflacionemos o mercado, é difícil não ver o bicho se espreitando na “dinâmica da classe média”. Criticar o conceito de educação “elitista” de Giannotti, que, em tese, o permite dizer que, passado o consumo, haverá como que uma “horda infurecida”, implica em não colocar nada no lugar e deixar a história (com “h” totalmente minúsculo) no reino do “empírico” (que, penso eu, será o mercado…ou não, realmente não dá para vaticinar).