Debate epistemológico no campo da Psicologia do Trabalho

Acaba de sair artigo, publicado por mim e pelos professores Jairo Eduardo Borges-Andrade (UnB) e Sigmar Malvezzi (USP), discutindo as questões paradigmáticas e os eixos temáticos presentes no campo da Psicologia do Trabalho e das organizações no Brasil. O referido artigo pode ser acessado no link abaixo (o qual é seguido do resumo).

Paradigmas, eixos temáticos e tensões da PTO no Brasil

O panorama de abordagens da psicologia do trabalho e das organizações (PTO) no Brasil mostra grande diversidade teórica e metodológica que reflete a presença de distintos paradigmas científicos na delimitação e organização desse campo. O objetivo deste artigo é analisar esses paradigmas e relacioná-los com três eixos temáticos da PTO no Brasil: o do comportamento, o da subjetividade e o clínico. Investiga-se os fundamentos epistemológicos e metodológicos, alguns trabalhos e autores de cada um desses eixos, discutindo sua contribuição para o campo da PTO no Brasil. O artigo desenvolve uma discussão sobre as tensões existentes entre esses eixos, derivadas da pressão de corresponderem, ao mesmo tempo, a critérios de rigor acadêmico e relevância organizacional. O artigo, por fim, mostra a diversificação do campo da PTO no Brasil e os desafios disso decorrentes.

 

 

Meu retrato… feito por meu aluno de IC Joatã…

Bullyng acadêmico

Não conheço nada a fundo sobre bullyng, mas tenho a impressão de que poderia usar essa categoria para falar da situação, já por demais debatida, da “luta por publicação” em que vivemos hoje no país. Poderia, talvez até ingenuamente, dizer que um pesquisador/professor que não publica “oceanicamente” (ou seja, em grande quantidade) é uma presa certeira de bullyng. Colegas mais produtivos poderiam, mesmo que não seja politicamente correto, olhar de canto de olho, com certa hipocrisia, sobre a má sorte ou a má vontade de quem está na lanterninha da produção acadêmica.

Ora, o bullyng, ao colocar no centro a relação entre uma maioria e uma minoria psicológicas, realça uma dimensão importante da própria existência social humana: a dificuldade de lidarmos com o desviante. Em termos sociológicos, o desviante é sempre uma matéria relativa, dependente dos padrões instituídos por um grupo (maioria psicológica). Há espécie de anomia, no sentido inverso ao dado a este termo por Durkheim, quando as regras dominantes de um grupo não são respeitadas e seguidas (para o sociólogo francês, a anomia é quando as regras sociais não conseguem regular os comportamentos individuais).

Talvez o bullyng sempre tenha existido. Ele existe sempre que há desvio em relação à tendência central, mesmo que, e isso é importante, tal centralidade diga respeito a uma minoria quantitativa de pessoas (acho genial a idéia de minoria e maioria psicológicas, no sentido dado por Kurt Lewin na psicologia social). No caso da produtividade acadêmica, é estampado para quem quer ver o quanto há um clima de pressão velada para classificar, sem grandes dores de cabeça moral, quem produz muito de quem não produz (nada ou pouco).

Nesse contexto, é interessante um exercício mental fictício: imagine que o pesquisador X deixe de existir (todos somos humanos, certo?); por quanto tempo ele será lembrado? Claro que isso é muito relativo, mas, a julgar por regras atualmente em uso em certas disciplinas (como é o caso da psicologia, por exemplo), de que boa parte de sua lista de referências bibliográficas não deve ser mais velha do que 5 anos, talvez o nome do pesquisador X seja lembrado por 5 ou 10 anos. Creio que foi o imperador Marco Aurélio (foto acima), do imponente Império Romano, quem certa vez disse: Logo, esquecerás tudo: logo, todos te esquecerão.

Significado do trabalho nas indústrias criativas

Acabo de disponibilizar artigo escrito por mim e pelo prof. Jairo Eduardo Borges-Andrade e publicado no último número da RAE-Revista de Administração de Empresas, da FGV-SP, sobre significado do trabalho nas indústrias criativas. Ele pode ser acessado na seção textos de minha homepage. A seguir, você pode ler o respectivo resumo.

Significado do trabalho nas indústrias criativas
Estudos sobre o trabalhador nas indústrias criativas ainda são escassos na literatura científica da administração. Esta pesquisa buscou contribuir para a superação dessa lacuna ao estudar o significado de trabalho para profissionais que atuam nessas indústrias. Traduzimos e adaptamos um instrumento canadense de mensuração desse constructo, o qual foi aplicado a 451 indivíduos de diversas indústrias criativas no Estado de São Paulo. Os dados foram analisados estatisticamente por meio de técnicas psicométricas e de comparação e associação entre médias. Os resultados mostram que os fatores mais associados a um trabalho que tenha significado para esses indivíduos são: a possibilidade de aprender e se desenvolver pelo trabalho, sua utilidade social, a oportunidade de identificação e de expressão por meio dele, autonomia, boas relações interpessoais e respeito às questões éticas. O artigo conclui com algumas implicações desses resultados para a literatura sobre indústrias criativas e significado do trabalho.

Onde está a transcendência?

Às vezes se pode associar a busca pela transcendência ao divino, ao extra-humano, àquilo que foge à vida cotidiana, embora possa dela partir. Gostaria de comentar uma forma muito particular de transcência: a que pode ser encontrada no trabalho, ou melhor, no trabalhar. Pode parecer contrasenso pensar haver transcendência na realização deste último, ainda mais se considerarmos suas condições concretas e o que os marxistas ainda denominam de “alienação”. Para muitos, o trabalho é fator de adoecimento, de sofrimento, de incertezas e de exploração.

Contudo, restam poucos espaços em nossas sociedades para o exercício da transcendência, isto é, dessa capacidade de ir além do próprio ego no momento de considerar as ações a tomar. Tomemos o exemplo dos artistas (público que estudo a 5 anos), para os quais a transcendência ocorre por meio da criação de uma obra que será deixada para o mundo. Quando um pintor pinta, o que o inspira é o sentimento de transcender limites do corpo e das formas, criando novas maneiras de expressar a sensibilidade estética. Transcender, no trabalho, é sentir que, ao “sair de si”, o sujeito mergulha num gênero profissional que o abarca e para o qual ele contribui.

Assim, a transcendência no trabalho ocorre quando o sujeito projeta seus desejos no futuro por meio da realização de uma obra. Muitas pessoas sofrem no trabalho porque simplesmente não têm ou nao podem ter uma obra. Trabalha-se para uma manutenção imanente – comer, trocar de carro, comprar uma casa, etc. – mesmo que isso tudo esteja a serviço de outro projeto de transcendência (a família, por exemplo). Mas a transcendência no trabalho diz respeito à íntima sintonia entre o sujeito e sua obra e a percepção de evolução desta última. A obra não visa ao curto prazo; ela não é regida pela lógica da necessidade, mas sim pela lógica do cuidar, da paciência e do investimento. Mas, para isso acontecer, é preciso recuperar uma dimensão “ontologicamente positiva” ao trabalho.

O trabalho mostra que a transcendência, ao contrário de certa mitificação, não está apenas nos céus!

Homem razoável (ou um excurso sobre a moral social)

Gostaria de compartilhar uma reflexão. Você já parou para pensar que a vida social é sustentada em premissas implícitas acerca do que consiste uma pessoa razoável? O que significa alguém ser “razoável”? À primeira vista, o adjetivo razoável pode sugerir o comum, o mediano, o banal, ou então o mínimo. Ser minimamente razoável. Há, se eu não me engano, menção a algo próximo disso na filosofia de Schopenhauer, com seu conceito de “razão mínima”.

Um primeiro sinal de razoabilidade num relacionamento na esfera pública é a capacidade do sujeito em entender e compartilhar princípios básicos (mínimos) em relação a núcleos de significado instituídos. Por exemplo: não mentir. Quando nos relacionamos, mesmo que as “personas” [máscaras] estejam envolvidas, há um mínimo de premissas que precisam ser verdadeiras para que a relação não seja um imbuste ou um amontoado de convenionalismos idiotas. Outro princípio consiste em haver certo “compartilhamento de mentes”, quer dizer, as pessoas têm de ter crenças compartilhadas e justificadas como verdadeiras em relação a um tópico do relacionamento em jogo.

Quando estamos diante de um homem ou pessoa não razoável, estamos diante de alguém intempestivo, cujos comportamentos não podem ser classificados em núcleos de significados compartilhados. Não se trata de dizer aqui que, para ser razoável, é preciso ser convencionalista. Pelo menos não no sentido de uma camisa-de-força. Mas uma pessoa não razoável vive, às vezes, em mundos próprios, usa termos que são despropositados para uma determinada situação, não se envergonha de mentir ou de acreditar na própria mentira.

Para confiarmos nas relações sociais, temos de estar diante de homens razoáveis. Do contrário, é preciso fugir da relação, pois não haverá bases para estabelecimento de acordos mínimos de convivialidade. Agora, atenção: precisamos tomar cuidado para não confundir homens que “têm suas próprias opiniões, que são corajosos ao afirmar seu ponto de vista”, com homens razoáveis. Os primeiros podem ser, não raramente, farsantes morais, hipócritas sem coração, mercenários medíocres que não toleram os outros, que racionalizam para obter vantagens entre outros homens razoáveis, estes sim verdadeiros.

Filosofia das ciências sociais: ótimo lançamento!

Introduction: Philosophical Problems in the Social Sciences: Paradigms, Methodology and Ontology Ian C Jarvie PART ONE: THE DEVELOPMENT OF THE PHILOSOPHY OF SOCIAL SCIENCE The Philosophy of Social Science from Mandeville to Mannheim Joseph Agassi Continental Philosophies of the Social Sciences David Teira The Philosophy of Social Science in the Twentieth Century: Analytic Traditions: Reflections on the Rationalitätstreit Paul Roth PART TWO: CENTRAL ISSUES IN SOCIAL ONTOLOGY Naturalism: The Place of Society in Nature Don Ross Language and Society Frank Hindriks Social Minds Laurence Kaufmann Rational Agency Fred D’Agostino Individualism, Collective Agency and the “Micro-Macro Relation” Alban Bouvier Rules, Norms and Commitments Fabienne Peter and Kai Spiekermann Systems Theory Andrea Pickel The Concept of Culture as Ontological Paradox Angel Díaz de Rada Power and Social Class in the Twenty-first Century Daniel Little Causality, Causal Models and Social Mechanisms Daniel Steel PART THREE: A PHILOSOPHER’S GUIDE TO SOCIAL SCIENCE PARADIGMS Rational Choice Theory Cédric Paternotte Game Theory Giacomo Bonanno Social Networks Joan de Martí and Yves Zenou Normative Criteria of Social Choice Maurice Salles and Antoinette Baujard Analytical Sociology Peter Hedström and Petri Ylikoski Institutions Chrysostomos Mantzavinos Evolutionary Approaches Geoffrey Hodgson Functionalism and Structuralism Anthony King Phenomenology, Hermeneutics and Ethnomethodology Hans-Herbert Köegler Pragmatism and Symbolic Interactionism Alex Dennis Social Constructionism, Postmodernism and Deconstructionism Patrick Baert, Darin Weinberg and Véronique Mottier Theories of Culture, Cognition and Action Sun-Ki Chai Communicative Action and Critical Theory Martin Morris PART FOUR: METHODOLOGY: ASSESSING AND USING SOCIAL THEORIES Facts, Values and Objectivity Heather Douglas Idealised Representations, Inferential Devices and Cross-Disciplinary Tools: Theoretical Models in Social Sciences Tarja Knuutila and Jaakko Kuorikoski Empirical Evidence: Its Nature and Sources Julian Reiss Experiments Francesco Guala Mathematics and Statistics in the Social Sciences Stephan Hartmann and Jan Sprenger Artificial Worlds and Agent-Based Simulation Till Grüne-Yanoff Explanation in the Social Sciences Jeroen van Bouwel and Erik Weber Prediction Gregor Betz Science and Technology Studies and Social Epistemology: The Struggle for Normativity in Social Theories of Knowledge Steve Fuller Expert Judgment María Jiménez and Jesús Zamora-Bonilla Social Technology Maarten Derksen and Anne Beaulieu EPILOGUE: Rationality in the Social Sciences: Bridging the Gap Jesús Zamora-Bonilla

Um jeito alternativo de fazer POT (1)

Semana passada, recebemos aqui em Natal a visita da profa. Dominique Lhuilier. O encontro foi bem simpático e instrutivo, pois ela é uma grande divulgadora das Clínicas do Trabalho, sobre cujo tema organizamos um livro no ano passado. Pela correria da vida cotidiana, acabei deixando de registrar aqui alguns dos principais temas abordados por ela em suas várias intervenções junto ao nosso grupo, o GEST. Para contornar essa ausência de comentários e reflexões, gostaria de citar dois de tais temas.

Em primeiro lugar, Mme. Lhuilier nos lembrou, fazendo eco a certa tradição clínica, de que podemos optar ou por: 1) pesquisar/intervir SOBRE outras pessoas/trabalhadores, ou 2) pesquisar/intervir COM outras pessoas/trabalhadores. O primeiro caso é bem conhecido: trata-se sempre daquelas situações em que o pesquisador vai “a campo”, aplica um questionário ou realiza uma entrevista, e só mais distantemente retorna ao campo com os resultados (em geral, na forma de artigos ou de seminários).

O segundo caso, quando intervimos COM, depende de uma inversão na relação entre sujeito e “objeto” do conhecimento: o trabalhador, neste caso, não é um informante (no sentido de que dá ao pesquisador uma informação SOBRE sua atividade, trabalho ou comportamento), mas um agente cujas ações se esperam que o pesquisador compreenda e o ajudem a explicitar – porém, sempre a partir de si e para si. Trata-se, aqui, de uma postura a que poderíamos denominar de clínica – ou, mais tradicionalmente, de um desenho de pesquisa-ação, um pouco (mas só um pouco) esquecido no campo da POT – Psicologia Organizacional e do Trabalho brasileira.

É importante observar que AGIR COM não se iguala a um formato de intervenção este sim bem comum: o de consultoria. Aqui aparece um segundo tema abordado por Mme. Lhuilier: quem AGE SOBRE a atividade do trabalhador nem sempre recebe deste último uma demanda espontânea de ação. Neste caso, trata-se do que Mme. Lhuilier denomina de “comanda” (no sentido de uma ordem, de um pedido, de uma “injunção” – por exemplo, um gestor “comandando” a um consultor que este “resolva” problemas nas relações de trabalho que estão a prejudicar o desempenho da organização).

Já a “demanda” (por contraposição à “comanda”) depende de o coletivo de trabalho solicitar a ajuda ou intervenção de um consultor ou psicólogo. E isso mesmo para os contextos tradicionais de nossas organizações, pois os gestores, que, num primeiro momento, podem estar do lado da “comanda”, num segundo, graças ao trabalho de interpretação da situação pelo pesquisador, passa para o lado da demanda: percebendo, efetivamente, o ganho mútuo.

Enfim, duas coisas me chamaram a atenção a partir das reflexões da profa. Dominique Lhuilier sobre estes dois temas: primeiro, que, ao contrário do que eu costumava pensar, é, sim, possível realizar “clínica do trabalho” em contextos organizacionais stricto sensu (empresas capitalistas). Segundo, que realizar pesquisa COM os nossos “sujeitos” (que, aliás, deixariam de serem vistos desta forma) é um desafio ético (e político) bastante intenso.

Começando a semana com boa música!

A mentira imanente (Cioran)

Viver significa: crer e esperar, mentir e mentir-se. Por isso a imagem mais verídica que já se criou do homem continua sendo a do Cavaleiro da Triste Figura, esse cavaleiro que se encontra mesmo no sábio mais realizado. O episódio penoso em torno da Cruz ou esse outro mais majestoso coroado pelo Nirvana participam da mesma irrealidade, ainda que se lhes tenha reconhecido uma qualidade simbólica que foi recusada depois às aventuras do pobre fidalgo. Nem todos os homens podem ter êxito: a fecundidade de suas mentiras varia… Tal engano triunfa: disso resulta uma religião, uma doutrina ou um mito – e uma multidão de fiéis; outro fracassa: não passa então de uma divagação, de uma teoria ou de uma ficção. Só as coisas inertes não acrescentam nada ao que são: uma pedra não mente: não interessa a ninguém – enquanto que a vida inventa sem cessar: a vida é o romance da matéria.

Pó apaixonado por fantasmas, tal é o homem: sua imagem absoluta, idealmente semelhante, encarnar-se-ia em um Dom Quixote visto por Ésquilo…

Breviário de Decomposição


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