Na linguagem corrente, quando falamos em perder, sempre associamos a “perder alguém”. É incomum, embora isso, felizmente, esteja sendo revertido, falarmos que perdemos um animal querido, não-humano. Pois perdi um animal querido, uma cachorrinha de estimação, que esteve comigo durante 13 anos. Não vou aqui falar do meu vínculo com ela, do que ela representou para mim, do que mobilizou em mim. Gostaria de falar de uma coisa que esteve, o tempo todo, nos bastidores. Gostaria de falar do como transformamos animais em objetos de expropriação econômica, em mercadoria, e de como, no campo veterinário (falo da minha experiência), impera uma ganância, uma falsa preocupação e, pior, um amadorismo avassalador.
Sempre odiei posturas arrogantes. Posturas de quem acha que sabe, baseado em uma ou outra leitura de textos xerocados de universidade, ou numa “experiência profissional” repetitiva. De gente que não tem o espírito científico, capaz de levar a curiosidade, o interesse, a exploração até as últimas consequencias.
Mas como é que um veterinário pode se dedicar com a profundidade necessária à análise de um “caso”, se ele tem, diante de si, mil e um cachorros para tratar? Não pode. Ele trata genericamente, ele trata à distância, ele improvisa, e, sobretudo, o que mais irrita e magoa, ele trata baseado na crença de que compete ao animal “reagir”. Ensaio-e-erro. Em pleno 2014 estamos praticando uma medicina veterinária baseada em ensaio-e-erro!
Minha cachorra morreu em decorrência de um câncer (e de um tratamento quimioterápico não-responsivo, com sintomas secundários, mas fatais). Eu li tudo o que pude a respeito. Li e reli, e, confesso, não li como um leigo que imagina coisas, mas como um investigador interessado em entender o que estava se passando. Um veterinário que se pretende “oncologista” tem a obrigação de ler, de se informar, de entender (falo de minha experiência) que a medicina que se pratica fora do país é infinitamente muito mais avançada do que essas clínicas caça-níqueis espalhadas em cada esquina de nossas cidades, como se fossem “butecos” que sabe-Deus como permanecem abertos! Há muito para saber, aprender, se inspirar.
Poucos veterinários que conheci se dedicam a fazer uma veterinária que eu acho que seria a correta. Não falo de “atender bem o cliente” (o “dono” do animal), mas de fazer realmente uma medicina veterinária baseada em evidências, em ciência. Mal tocam nos cachorros. Mal vêem. Têm pouco interesse. Pensam nas contas a pagar no fim do mês. Pensam em qual remédio recomendar sem ao menos pensar se realmente são necessários. E, com sorte, vão progredindo. Mas, quando a realidade exige complexidade maior, eles não sabem como agir, embora aparentem para os “proprietários” que sabem.
Só Deus sabe o que se passa nessas clínicas veterinárias.
Minha cachorra morreria, um momento ou outro. Mas o que me deixa revoltado, impotente, é um “suposto-saber” desmascarado pelos fatos. O que me magoa profundamente são as conversas rápidas entre veterinário-proprietário, na qual “hipóteses” são lançadas como se lançam bolas no ar. Conversa mole, completamente insensível ao desespero, à angústia do proprietário. Ou então uma conversa mole, do tipo medicina-fetiche, linguagem empolada, um certo ar afetado, uma veterinária-merchandising.
Sabe por que a medicina veterinária pode ser muito mais cruel que a medicina humana? Porque animais são tratados como mercadorias. Não há quase freios para isso. Se você não gostou do seu veterinário, você troca. Mas a essência continua: lida-se com vidas de modo quase inescrupuloso, mas “dentro das regras” e sob aparência de normalidade. Como um animal vive 10 a 15 anos, o raciocínio passa a ser perverso, e os prognósticos tratados com naturalidade cínica.
Escrevi um desabafo. É isso, um desabafo. Para entenderem um pouco mais de medicina veterinária oncológica, olhe para fora do seu quintal. Comece por aqui: https://www.wearethecure.
Para saber como veterinários poderiam ser diferentes, use sua própria consciência.
Post-scriptum
1) Este é um post-desabafo; portanto, repleto de generalizações. Não estou sendo “científico”, como defendo, mas, diante das circunstâncias, acho que me sinto justificado;
2) Não sou cínico: critico, mas admito que preciso e vou sempre precisar de veterinários, pois sempre terei animais; então, estarei sempre na “eterna busca” de uma pessoa que combine ética e eficiência científica, que defenda a manutenção vida, por mais que ela seja de meses ou 1 ou 2 anos.