O doutorado faz um professor?

Não. Isso é o que acho considerando a situação atual que temos Brasil afora: um estudante de graduação, de 22 e poucos anos, entra no mestrado e, num pulo, lá pela casa dos 26 ou 27 (sendo otimista), já é doutor. Claro que, antes mesmo de chegar ao pódio da titulação acadêmica, ele já lecionava: aqui e ali, dependente das “particulares” que, sob regras “legais”, contratam doutores na proporção de 1 para 10 (chutando, mas, suspeito, sendo novamente otimista).

Disto surgem vários problemas. Um único exemplo: alguém terá de pagar “pedágio” para que o neófito se torne um professor… efetivamente quero dizer. Turmas e turmas acabam contribuindo (democrativamente, vamos dizer assim) para a formação do professor: elas têm aulas com “especialistas”, “mestrandos”… e, algumas vezes, “doutorandos”…

O leitor poderia dizer que não há outro jeito para se criar um professor. Talvez. Ocorre que titulação (doutor) não é equivalente, não se sobrepõe necessariamente, ao cargo (professor). Segundo, o doutorado habilita uma pessoa em um assunto em específico; não faz sentido pensar em um doutorando (salvo exceções) criando teorias de médio/amplo alcance, não no contexto da psicologia brasileira (isto aqui é um blog, portanto, posso me dar ao direito de fazer generalizações, mas eu as exponho a você, leitor!). Em contrapartida, em uma aula, ele (professor) tem de lidar com teorias de médio e amplo alcances (exemplo: ele tem de explicar as teorias sobre vínculo pessoa-trabalho, por exemplo, no meu caso – atuando em Psicologia do Trabalho). Conhecimento profissional, “aplicado”, conhecimento teórico, conhecimento oriundo de pesquisa…todos se sobrepõem na alquimia da docência…

Alguém aí pode dizer que a experiência é que faz o professor. Isso talvez não seja totalmente verdadeiro. Conheci pessoas e lugares cujo marketing era de que “nosso pessoal docente é experiente no mercado”. É possível generalizar a experiência? Teria o empirismo mais rasteiro dominado o mundo acadêmico, substituindo os títulos de doutor que, muitas vezes (e neste contexto), não passam de mera “pro forma” para a pessoa ganhar mais ou para engrossar a fileira das “particulares” que (poucas, infelizmente…) se gabam de ter “um corpo de doutores em seus quadros”)? Sempre olhei com uma suspeita mortal os professores “based on experience”. Arrogantes, acham que, ao falar por si, estão falando pelo todo.

Como resultado disso tudo, temos por aí professores que pouco se diferenciam de seus próprios alunos. São melhores que estes últimos apenas porque são mais velhos e menos relapsos, pois ao menos (???) conseguem ler um texto até o final e, então, se tornam minimamente capazes de repeti-lo para uma platéia passiva, não vendo a hora de ir embora (e, portanto, insuficientemente engajada para discutir essa posição frágil desse “professor”).

Não consigo dar uma resposta sobre como ajudar nesta situação. Talvez, para sair pela tangente, seja válido colocar aqui uma pérola de Lacan: quando um terapêuta pode ser “considerado” (atentem-se para o tempo passivo neste caso…) terapeuta? Lacan responde: quando ele é capaz de “afirmar-se” como terapeuta, ou seja, de “sentir-se” como tal. Trata-se da auto-sustentação de um desejo. Pergunto: nossos “professores” recém-formados (leia-se: nossos recém-doutores), responderiam como à mesma pergunta?

Prefiro ouvir a falar (2)

Para os espíritos sensíveis

Fui conduzido hoje, ao ler um post em outro blog, a esta tela de Pieter Bruegel (1525-1569), “O triunfo da morte” (1562).

Se não me engano, Freud, quando fala de pulsão de vida e pulsão de morte, mostra como ambas constituem um par tenso, mas sempre me fica a dúvida sobre qual, no final, acaba vencendo.

Claro que, do ponto de vista filogenético de nossa espécie, a vida vai mostrando que consegue ir bem longe. É no plano ontogenético que o dilema da morte se coloca porque ela diz respeito à extinção do indivíduo: minha espécie não morre (a menos que haja alguma cisão no processo de evolução natural, e nossa espécie revele-se inadaptada ao meio para continuar a sobreviver, ou então se o próprio planeta se extinguir); quem morre sou eu na qualidade de um exemplar (singular) da espécie.

O grande dilema, portanto, é sentir que envelhecemos e, ao mesmo tempo, notar que crianças continuam nascendo e que a juventude transborda a nosso redor. Sempre achei impressionante como esse desencontro de gerações faz com que nos esqueçamos, a todo instante, de que nossa espécie, como um “ser genérico”, é completamente indiferente a nós indivíduos/organismos singulares.

O dilema em questão parece ser agravado pelas características de minha ocupação (professor): o educador sempre vai envelhecendo e nunca se iguala ao educando (na média, pelo menos). O educador envelhece; o educando, por ser, a cada semestre/ano, diferente, sempre é jovem. Assiste-se, na rotina cotidiana de uma escola/universidade, o descompasso radical entre a filogênese anônima da espécie, malthusiana, e a ontogênese de indivíduos jovens, à exceção de um.

Ínterim

Algo entre um excurso e outro…”walk”.

Viver é refazer – excurso delirante

Foucault disse, em algum lugar de sua vasta obra, que chega um momento em nossa vida que a única possibilidade de continuar vivendo é reinventando as coisas, algo como não se conformar com o que nos foi legado, ou nos é ofertado a cada momento. Reinventar é fazer diferente; interromper um fluxo de acontecimentos baseados em inferências a partir de hábitos ou repetições passadas.

Mas como reinventar? Como ser auto-reflexivo a ponto de instituir, no mundo, uma forma de enunciação da realidade que nos pareça mais inteligível? E o que fazer da angústia que surge quando, à busca de tal saída do fluxo ordinário (às vezes, do próprio pensamento!), nada encontramos senão gêneros linguísticos disponíveis, resíduos fortes da socialização (primária, secundária…) e uma espécie de falência semiótica?

Como criar um “mundo” em que nos sintamos à vontade, mesmo que num pequeno espaço sujeito a inevitáveis, contínuas e vorazes “des-territorializações”?

 

Prefiro ouvir a falar (1)

Humanidade

Precisamos transformar TUDO em fato científico? Só os obsessivos…

Max Weber disse, no início do século passado, que os empreendedores capitalistas (na ocasião, ele se referia aos norte-americanos), não iriam parar até que o último combustível fóssil deste planeta fosse queimado. Estou parafraseando. O contexto do argumento era o capitalismo. A analogia serve para pensar em algo semelhante, porém não na esfera da economia: a ciência não faz a mesma coisa? O desejo de explicar tudo, de transformar tudo em um “fato científico” parece não ter medida.

1. Primeiro, pensemos no mundo pequeno da pesquisa: todo aluno que deseja fazer mestrado ou doutorado tem de “descobrir um tema” para pesquisar. Vale tudo: a engrenagem teórica tritura tudo o que encontra pela frente. Na psicologia, se você é um afeito à psicanálise, você pode querer explicar desde porque crianças não tomam leite ou gritam demais até porque as pessoas não obedecem a lei ou são violentas. Se você é um comportamentalista, pode querer entender desde a vida das formigas, macacos e outros animais até porque suamos frio quando ouvimos o sino da igreja tocar em um sábado à noite. Exagero, simplificação minha, mas o ponto está correto: tudo vira fato científico. Quem é que já não presenciou o desespero dos jovens que entram para um mestrado, antes de se tornarem “estáveis” em algum nicho disciplinar?

2. Tornar tudo passível ser pesquisado, escrutinado, explicado, é, mutatis mutantis, semelhante ao que faz um pensamento religioso ingênuo: tudo é explicado recorrendo a Deus. Chouveu? Foi porque Deus quis; o dia amanhece, a noite cai: Deus quis. E assim por diante. O desconforto é incalculável para o devoto alienado que não consegue encontrar no mundo senão a teleologia divina. O cientista alienado, idem. Seu desejo de saber, de dominar, de prever, pode não alcançar fim. Cientistas, na versão caricata do indivíduo que vê o mundo como um laboratório, tem uma curiosidade obsessiva. Ou então é um competente e disciplinado agente capaz de transformar o mundo físico em nosso benefício. De fato, o que seríamos sem eles? Provavelmente, um bando de bípedes sem penas caçando com lanças primitivas.

3. O que é um fato científico, pensando, particularmente, nas ciências humanas? O que pode ser passível de ser explicado, convertido no jargão científico? Há quem diga que um fato científico surge de algum desfuncionamento: o que não funciona conforme o planejado deve ser reparado. O amor se torna um fato científico quando se revela uma esfera problemática para os animais humanos; o trabalho, idem. O mesmo para a saúde, a educação, o lazer. Metemos o nosso nariz científico em como as pessoas jogam futebol, como elas fazem sexo, como elas dormem, como elas comem, como elas lidam com as perdas, com seus medos, com esquisitices….enfim, tudo.

4. Mas não é só o Lattes que anima a transformação compulsiva-obsessiva de tudo em fatos científicos. É a falta de criatividade, a dificuldade de um pensamento autônomo, em suma, falta da capacidade de ser adulto, de debater as coisas entre adultos, e de resolvê-las. Mas, não: é preciso passar pelo crivo científico, pelas normas da APA, da ABNT-2, dos objetivos claros e “focados”; é preciso passar pela crítica de que você não respeitou as regras básicas do método científico. Patético, pois, enquanto isso, o mundo gira em sua órbita indiferente. Pior: o mundo humano parece pouco se importar com o que se produz nas ciências humanas. Tem-se ali forças muito mais poderosas de explicação, enraizadas profundamente em hábitos, cultura, pressupostos. E não adianta, defensivamente, dizermos que “são ingênuos”. Santo Deus – qualquer pessoa, em universidades brasileiras, sente na pele o que, de fato, é ingenuidade.

5. Às vezes, dá vonta de dizer: que cada um viva sua vida e faça dela o que quiser; não precisam DESSA [ambiguo, certo?] ciência para lhes dizer o que fazer.

6. Vamos admitir um possível “fato”: que nós precisamos inventar fatos para moermos, na máquina científica, dissertações e teses. Veja bem: não quero dizer que fazer isso é coisa de não-adulto; há valor nisso, mas é preciso procurar com lupa. Portanto, talvez parecendo autoritário, concordo com decisões de um terceiro (o Estado) sobre quais áreas são ou não “prioritárias” para se investir dinheiro. O investimento deste último está, claro, sujeito a humores políticos, bem como podem induzir pesquisadores a construirem a “indústria da pobreza” ou algo similar só para conseguir recursos públicos, ostentar seu status de “pesquisador do Cnpq”, etc. Mas precisamos de algum critério de valor que nos ajude a decidir, pela esfera pública, o que é desfuncional e merece um escrutínio, sério, científico.

Entrevista com o estagiário

Engraçado vídeo com um estagiário. Vale a pena conferir. O final é bem interessante, pois mostra a diferença colossal entre dizer e fazer no campo do trabalho!

Psicologia e trabalho

Acaba de sair um artigo em que discuto algumas formas de “apropriação” do trabalho pela psicologia. Ou seja, coloco em perspectiva três abordagens ao trabalho: a organizacional, a social e a clínica, problematizando suas semelhanças e diferenças.

O artigo, publicado pela revista Psicologia & Sociedade, pode ser acessado abaixo.


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